(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

30.7.14

Calçar as luvas de novo

Calçar as luvas de novo

Bati com a porta do carro. Com a de casa fiz o mesmo. Atirei o capacete, o blusão e as luvas para cima do sofá mais próximo. Vinha a ferver. Ia mergulhar na piscina quando chegou a mensagem: "Estou perdido entre Castro Marim e Tavira." Pedi-lhe para procurar alguma toponímia. "São Bartolomeu", respondeu. Disse-lhe que em cinco minutos estaria lá para lhe indicar o caminho da Quinta.
"Raios partam! Uma hora depois de chumbar no exame de mota, chega o globetrotter motard para, dentro de dois dias, irmos para a concentração de Faro."

As palavras de apoio e consolo chegavam de todos os lados, mas os ferimentos do meu ego ainda estavam demasiado quentes para eu lhes sentir a verdadeira intensidade.
- Sabes? Prefiro que tenhas chumbado e que te prepares melhor! A estrada é demasiado perigosa para motards inexperientes... Motas potentes não são para alguém com apenas dezoito horas de duas rodas numa vida inteira! - explicava-me o Eric, intercalando os conselhos com histórias de acidentes que o seu calo permitiu evitar.
O pior foi à noite. A birra que se adensou ao longo de toda a tarde e noite, rebentou, já de madrugada, numa pluviosa tempestade.
- Mas tu estás a chorar? - perguntou o Ricardo quando chegou à cama. E a questão transformou as silenciosas lágrimas naquela convicta choradeira infantil que, entrecortada em soluços, até me deixou de nariz entupido.
Ele começou a rir.
- Oh pá, tu és tão mimada e fofinha!!!
O choro, não sei como, conseguiu piorar.
- E tu ris-te?!??
- Só me estou a rir porque desejo que os teus "grandes" problemas sejam sempre como este.
Chorei mais um bocado, com a ferida do ego a doer mais a frio, e acabei por adormecer.

Sete e meia da manhã. Não conseguia dormir. Decidi pegar na prancha e ir para as ondas. Se calhar estes dois motards, que menosprezaram o meu profundo desgosto, têm ambos razão. Que todos os meus problemas tenham sempre este calibre. E que os vindouros meses me brindem com muita experiência.
Ainda com o biquini a pingar, fui calçar de novo as luvas. Só pelo prazer de as ter nas mãos. "Ainda nas mãos hei-de ter os domínios que me faltam."

Ana Amorim Dias

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