(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

30.7.14

Confiança

Confiança

A meia lua minguante erguia-se no horizonte, coroando o meu caminho. A via do infante, deserta, estendia-se sob mim deixando-me a sensação de estar sozinha no mundo. Que delicioso silêncio! Entrecortava-o apenas o suave roncar do Eric, adormecido no banco de trás, e a banda sonora com que o rádio acompanhava a minha escrita mental.

Ao entrar para o carro, a Philippine, sentada ao meu lado, comentou que tinha sono mas que conversaria comigo para que eu não adormecesse.
- Ne t'inquiètes pas. Je n'ai pas sommeil. - e garanti-lhe que, caso o sono me chegasse, a acordaria para me manter desperta.
- Tu me promets?
- Oui, bien sûr.
Três segundos depois, quando olhei para o seu rosto de menina, já ela se entregara a um sono tranquilo. Sorri-lhe na mesma, embevecida pelos votos de confiança que os belos adormecidos depositavam em mim. Depois fiquei a saborear o silêncio, entregue a pensamentos serenos.

Ele era belga. E entrou a matar:
- Você é famosa?
Uma gargalhada de boca aberta e cabeça atirada para trás, foi a minha primeira resposta.
- Não. De todo. Mas isso não desvirtua o meu trabalho. - pisquei-lhe o olho.
Falámos um bom bocado e depois ele partiu. Regressou segundos mais tarde, olhou para os livros e para mim, sentada sobre a mota, e pediu:
- Pode escrever-me aqui o seu nome?
Assenti com um olhar curioso.
- Assim, quando você for famosa, vou poder dizer que a conheci!

Questionei a Lua, altaneira, à minha frente, se faria sentido estar a fazer as coisas assim. Apenas três livros partiram durante um dia inteiro. Perguntei-me o que prefiro: ter um produto rentável, como tantos, mas medíocre e igual a milhares de outros, ou ter a certeza que criei algo realmente bom e que o meu ofício-arte se vai refinando a cada novo texto? Respondi-me simplesmente que ainda não escrevo tão bem quanto posso vir a escrever e que todas estas experiências de humildade e intensidade são apenas o caminho mais certo para a construção da escritora.

Fixei a Lua de novo. Sorri-lhe e brindei à vida, com todas as suas lições. Percebi que confio tanto em mim como quem me fala da fama vindoura ou como quem adormece num sono profundo, confiando, nas minhas promessas, a sua vida.

Ana Amorim Dias

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