(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

5.5.14

Um bom trabalho

Um bom trabalho

Sentei-me ao seu lado por acaso. Ela batia imenso com um dos calcanhares no chão, naquele movimento típico do nervoso miudinho.
Foi há dois anos. Éramos ambas oradoras numa das edições do Ignite Algarve.
"Coitada da miúda...não deve perceber nada disto", pensei enquanto a via a falar quase em surdina, de olhos postos nos apontamentos.
Chegou a sua vez. Levantou-se, subiu ao palco e foi absolutamente brilhante; de um profissionalismo e calma a toda a prova. Soube nesse momento que ela é repórter da TVI e que estava a acabar de iniciar o projeto HER IDEAL, uma consistente revista online de elevada qualidade.
- Precisa de cronistas?- perguntei-lhe assim que retomou o seu lugar ao meu lado.
- Sim!
E o "negócio" ficou fechado ali mesmo, entre uma intervenção e outra.

8 de Abril, Estratégias que Marcam II

A senhora que estava sentada atrás de nós perguntou como lidamos com os nervos.
- No dia em que, antes de entrar em ação, eu não sentir as pernas a tremer um pouco, mudo de profissão!- disse a Inês- Porque isso significa que me tornei irresponsável e não estarei a fazer um bom trabalho.
- Waow, Inês! Vou escrever sobre isso!
Ela riu-se. Já está habituada.

Eu adoro falar em público e embora concorde em confessar que tenho um certo nervoso miudinho, não gosto de deixar que ele transpareça aos demais. Não o vejo com uma prova de responsabilidade e sim como uma fraqueza.
Mas comparei esta demonstração de profissionalismo da Inês ao que sinto perante cada folha em branco...

Desconfio que o derradeiro mal dos artistas é o tédio, essa sombra monstruosa do zero emocional. Das três vertigens artísticas, apenas conheço duas: a compulsão criativa e o pânico ao tédio. O vazio nunca vivi. Jamais, perante a página em branco, me senti a confrontar os fantasmas da mente muda ou da calada alma.
A página em branco é a próxima aventura que me falta viver; é a quimera que concretizo acordada; são as asas de um voo mais livre que a morte. A página em branco é o nada onde o tudo pode caber; é a alegoria dos dias que me restam viver. É o portal que, ao passar, me liberta do tédio e me permite entrar na mais épica dimensão da existência.
Como te entendo, Inês! É que no dia em que a folha em branco deixar de ser tudo isto para mim, também eu pararei pois já não estarei a saber fazer bem o meu trabalho.

Ana Amorim Dias

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