(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

5.5.14

A máquina de pressão

A máquina de pressão

Acordei demasiado tarde para tudo o que tinha a fazer. Corri o que me sobrou da manhã, almocei à pressa e prossegui com a correria, sempre com a irritação à flor da pele. Detesto perder tempo estupidamente a dormir mais do que é estritamente necessário.
"Bonito! Duas e meia da tarde e a crónica por escrever!!"
Quinze minutos! Quinze míseros minutinhos era tudo o que eu queria, para poder restabelecer a ordem natural do meu universo...

Quando fui buscar o Miguel e o Rodrigo, para vierem brincar com o Tom e o João, avisei logo que estava irritada. Foi só no longo silêncio com que os quatro miúdos me brindaram, durante a viagem até à Quinta, que me consegui escutar outra vez. Lembrei-me da tarde de ontem e do gozo que me deu lavar umas coisas com a máquina de pressão. Ligada à água e à eletricidade, a marafada da maquineta lança um jato com tal pressão que não há porcaria que lhe resista. Fiquei salpicada dos pés à cabeça, mas ficou tudo mesmo limpinho e eu adorei cada segundo de domínio daquela pressão.

À medida que os miúdos, pobrezinhos, se foram atrevendo a comunicar entre si com sussurros, o sorriso bem disposto foi-me regressando aos poucos. "Óh minha burra: tu adoras a pressão!"- lembrei-me. Adoro mesmo. Embora continue a acreditar que nunca devemos pressionar muito os outros, perante nós a cantiga é outra. Se não nos pressionamos a fazer, a mudar, a avançar, ninguém o fará por nós. Na medida certa, a pressão ajuda, motiva, limpa, e conduz-nos a incríveis feitos. Deve ter sido por isso que acordei tão irritada... não gosto de perder tempo e é por isso que adoro ser a máquina de pressão de mim mesma: assim estou segura que jamais acordarei demasiado tarde para tudo o que quero fazer!
Mas uma coisa é certa, e esta crónica prova isso mesmo: mesmo quando acordamos demasiado tarde, ainda vamos sempre a tempo de restabelecer a ordem natural no nosso universo ideal.

Ana Amorim Dias

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