(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

5.5.14

Inocências

Inocências

O senhor, dentro do balcão do café, abriu um dos jornais que tinham acabado de lhe trazer e viu uma grande folha com a fotografia de João Paulo II. Percebi-lhe a hesitação em mandá-la para o caixote do lixo. Deve ter sentido que seria uma blasfémia. Em vez disso perguntou à senhora que varria o chão:
- Sónia, você é crente?
- Não! Eu sou católica!
O meu sorriso não foi gozão, foi repleto de carinho.
- E quer esta imagem do Papa?
Ela quis.
- Este foi o que morreu, não foi? - perguntou ela.
- Foi sim.
- Nossa, que tristeza!
Acabei o meu café a rir por dentro. Delicioso.

Há um rapaz com quem às vezes me meto:
- Olha lá, cá para mim tu és heterossexual, não és?
- Bom, bom, bom! Eu não sou nada disso, ouviste!? Não entro nessas coisas esquisitas!
Fico encantada. O desconhecimento inocente não deve ser jocosamente gozado. Muito pelo contrário: uma vez que desconhecemos os motivos destas falhas, devemos aproveitar, sempre que nos seja possível, para as colmatar, acrescentando algo às vidas alheias.

Existe um mundo de diferença entre estes desconhecimentos, inocentemente revelados, e a soberba de quem debita disparates convicto da sua erudição. É que, se por um lado a falta de vocabulário nos faz equacionar a preparação de um povo para a vida, a inocência na idade adulta é capaz de nos deixar um travo doce na alma. Deve ser por isso que, perante situações destas, aproveito a gargalhada calada e me permito sentir um carinho inexplicável.

Ana Amorim Dias

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