(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

9.10.14

O derradeiro tesouro

O derradeiro tesouro

- Sai da minha cozinha!
- Sim senhor, ó marinheiro da treta... Mas preciso de mais pães e depressa!
- Estão prontos quando estiverem, mãe: a perfeição leva tempo!

A Nau das Índias fez-se ao mar numa quinta-feira quente. Como comandante da embarcação, instruí bem o segundo capitão quanto a todas as suas funções. Partimos em busca de riquezas e glória, trocando estranhas sangrias e pães do tesouro por uns papelinhos e chapas metálicas com uns números inscritos.

- Tomás!!! Iça as velas aos fornos! Estamos a ser atacados por aldeões esfomeados!
E ele ria-se.
- Olha o pããão...- Gritava ele, da cozinha, quando saiam novas fornadas.
E então ria-me eu.

Todos os progenitores deviam ter a hipótese de partir para o mar com as suas crias. Ensiná-las a pescar, a caçar, a navegar pela vida. Poder ter, na tripulação, o sangue que nós próprios gerámos e confiar no seu desempenho mesmo nas horas mais duras, é privilégio de poucos. Mas o sabor de vê-los crescer assim, ao nosso lado, a guardar-nos as costas e a lutar por um fim comum, até chega a ser comovente.

A Nau das Índias enfrentou fortes tempestades e ventos, com fiscalizações, faltas de luz e outros percalços mais, contudo fiz ver ao Tomás que mesmo as intempéries mais duras podem ser superadas como quem vai navegando ao sabor uma suave brisa. Entendeu mil lições: que quando a viagem começa temos que ser a equipa perfeita lutando até ao final; que a simpatia vende; que as amizades fluem; que há momentos de esforço intenso mas não se pode ceder ao cansaço. O meu imediato portou-se como um homem e sei que nem eu nem ele esqueceremos estes dias em que os nossos laços se transformaram mais ainda em grossos cabos de navio.

- O que leva o pão do tesouro?- perguntaram-me vezes sem conta.
E eu respondia sempre que é um pão de sementes com recheio de queijo, especiarias, ervas frescas, cebola... Não houve ninguém que não gostasse. Pelo contrário, ficavam por ali a gemer de prazer e a convencer outros transeuntes curiosos a experimentar por si mesmos. Quanto a mim, não me restam dúvidas: o derradeiro tesouro transportado pela Nau das Índias não ia dentro do pão, encontrei-a na cumplicidade sublime que vivi com o meu filho mais velho.
Só que agora... agora que a Nau ancorou e ele partiu para umas curtas férias longe de mim, entendo que vou ter mesmo saudades.

Ana Amorim Dias
1/9/2014

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