Proteção
Eles ficaram um pouco para trás, parados numa das bancas do mercado mensal de Cacela. Fui espreitar o que andavam os dois a tramar e nem precisei de perguntar.
- Mãe, mãe, olha o que o Eric comprou!
- O que foi, João?
Estavam os dois com um sorriso traquinas e cúmplice.
- Um sininho para pôr na mota dele!!
Pelos vistos o miúdo ficou tão espantado como eu ao perceber que aquele marmanjão iria pendurar um sininho na sua grande e impressionante mota.
- A sério que vais pendurar isso na mota?- perguntei para afastar a suspeita de que ele estava a gozar connosco.
- Sim, é para juntar aos outros.
- Quê? Tu andas com sininhos pendurados na mota?
- Sempre!
- Mas porquê? - percebi que estava a falar o mais a sério possível.
- Há uma lenda que diz que os maus espíritos, que se erguem do asfalto para puxar os motociclistas para as quedas, se afastam ao ouvir o angélico som dos sinos. Devem colocar-se na parte de baixo da mota, o mais próximo possível do chão...
Ao escrever-lhe a biografia fiz questão de o conhecer para além do óbvio, mas este episódio dos sinos fez-me duvidar que se possa conhecer inteiramente alguém. "Ele não acredita em espíritos malignos, porque é que me está a contar esta treta? Ou será que acredita?"
Às vezes não sabemos bem no que é que acreditamos. E às vezes não sabemos em que acreditar. Mas eu acredito que, independentemente daquilo em que acreditamos, há pequenos subterfúgios que, pelo sim pelo não, nos dão o conforto de acreditar que estamos protegidos. E é ao acreditar que o estamos protegidos que nos tornamos capazes de tudo.
Ana Amorim Dias
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