(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

10.3.14

Proteção

Proteção

Eles ficaram um pouco para trás, parados numa das bancas do mercado mensal de Cacela. Fui espreitar o que andavam os dois a tramar e nem precisei de perguntar.
- Mãe, mãe, olha o que o Eric comprou!
- O que foi, João?
Estavam os dois com um sorriso traquinas e cúmplice.
- Um sininho para pôr na mota dele!!
Pelos vistos o miúdo ficou tão espantado como eu ao perceber que aquele marmanjão iria pendurar um sininho na sua grande e impressionante mota.
- A sério que vais pendurar isso na mota?- perguntei para afastar a suspeita de que ele estava a gozar connosco.
- Sim, é para juntar aos outros.
- Quê? Tu andas com sininhos pendurados na mota?
- Sempre!
- Mas porquê? - percebi que estava a falar o mais a sério possível.
- Há uma lenda que diz que os maus espíritos, que se erguem do asfalto para puxar os motociclistas para as quedas, se afastam ao ouvir o angélico som dos sinos. Devem colocar-se na parte de baixo da mota, o mais próximo possível do chão...


Ao escrever-lhe a biografia fiz questão de o conhecer para além do óbvio, mas este episódio dos sinos fez-me duvidar que se possa conhecer inteiramente alguém. "Ele não acredita em espíritos malignos, porque é que me está a contar esta treta? Ou será que acredita?"
Às vezes não sabemos bem no que é que acreditamos. E às vezes não sabemos em que acreditar. Mas eu acredito que, independentemente daquilo em que acreditamos, há pequenos subterfúgios que, pelo sim pelo não, nos dão o conforto de acreditar que estamos protegidos. E é ao acreditar que o estamos protegidos que nos tornamos capazes de tudo.

Ana Amorim Dias

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