(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

26.9.11

UM DIA HÁS-DE TER FILHOS…

   Os meus dois filhos passaram, recentemente, quinze dias de férias longe de mim. A minha crónica diária no facebook foi dedicada a eles, tanto no dia da sua partida como uma semana depois. Aqui as deixo.
Envergadura de asa
   Desde que os meus filhos nasceram que compreendi duas coisas: a existência de um amor inabalável e a dura realidade de que eles têm vida própria. Decidi começar a “treinar-me”  de imediato para esse facto… porque uma coisa é a minha vida, outra é a nossa vida em família e outra é a vida deles!   E, por mais que muitos pais o tentem negar, uma criança tem vida própria e momentos apenas  seus… desde que nasce!
   Há progenitores que, por tanto amarem, pensam que só debaixo da sua asa é que as crias estão protegidas e tentam salvaguardá-las de toda a adversidade; atender a todos  os seus quereres  e  antecipar cada necessidade, suprimindo-a prontamente. Mas também há quem, com a mesma dose de amor, os deixe perceber que cair dói, que as facas cortam, que os animais são para cuidar, que às vezes não há dinheiro para tudo… Há quem os ensine que os trabalhos de casa são para ser feitos por eles e que as guerrilhas na escola se resolvem com tacto; que a vida às vezes não sorri mas,  que se lhe sorrirmos de volta,  o sol torna a brilhar mais depressa…. Há pais que chamam as coisas pelos nomes e explicam como tudo funciona; que não contam histórias todas as noites mas,  quando contam, fazem-nas únicas, inventadas, maravilhosas.   Há pais que pedem opinião nos seus assuntos de adultos e mostram às suas crias o poder da decisão; que sabem dar carinho e ter mão firme;  que entendem que a sua crescente envergadura de asa já vai pedindo alguns crescentes voos…
   As minhas crias foram hoje de viagem… duas semanas para bem longe… Despedi-me deles de coração leve e feliz… Sei que são exploradores da vida, preparados e fortes, para as aventuras que os esperam… E agora, enquanto escrevo, tenho um sorriso rasgado e orgulhoso a decorar-me o rosto: com dez e seis anos, o Tomás e o João têm uma evergadura de asa… invejável!!!
 Saudades?...
   Já passaram oito dias desde a partida dos meus dois sóis para a Madeira… Faltam oito dias para ver de novo aquelas caras morenas e felizes; aqueles corpos robustos e saudáveis a abraçarem-me com mimo…
   A casa está arrumada; demasiado arrumada!  O fantástico silêncio começa a pesar no ar que não tem cheirado a pipocas nem a crepes. Não há brinquedos espalhados por toda a parte, nem bolas e skates a fazer-me tropeçar à entrada de cada divisão.  A piscina anda triste sem os tsunamis que surgem a cada novo mergulho que dão. O frigorífico continua cheio e os iogurtes começam a passar de prazo. Não há roupa deixada em todos os sofás, nem garrafas de ucal meias bebidas, junto à playstation. Não me tenho exaltado para que parem de implicar um com o outro nem usado a sineta cujo primeiro toque os avisa de que há um castigo a caminho ( só ao segundo toque é que o veredicto se efectiva…).
  Dá muito pouco trabalho não ter os filhos connosco ( ou não ter filhos, de todo), mas que piada tem a vida sem eles?? Não há preocupações, exaltações nem confrontos, mas os dias, por mais cheios que sejam, acabam por ser todos vazios!
 Desengane-se quem pense que estou a morrer de saudades… Nada disso! Estou feliz porque estão a enriquecer, a experimentar, a crescer e a explorar. Estão a alargar horizontes, a abrir a mente e o coração; a ficar mais autónomos e “desenrascados”… e isso enche-me de alegria!  Estou a saber saborear esta ausência na certeza de que, no próximo domingo, vinte minutos apenas após a sua chegada, vou estar a perder a paciência com um sorriso nos lábios! Estou a saborear esta ausência porque é nas ausências que o verdadeiro valor dos outros nas nossas vidas se mede! Estou a saborear esta ausência com a alegria de os estar a conhecer um pouco melhor… na arrumação da casa; na tranquilidade da piscina e dos banhos de mar; no frigorífico que não se esvazia de maneira nenhuma…
   Estou a saborear esta ausência na certeza de um reencontro divertido e de um futuro ainda mais apaixonado por estes dois maravilhosos seres com que a vida teve a gentileza de me brindar…
  É por isso que digo e repito: Não, não tenho saudades… tenho uma alegria infinita e uma gratidão inexplicável por todas as ocasiões em que me é dado a entender o verdadeiro valor das inegáveis riquezas que me compõem a vida!!!
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   Quando regressaram não escrevi  crónica alguma, limitei-me a partilhar com eles os bons momentos do dia. Ouvi-os a contar tudo em atropelo e observei a alegria com que voltaram a integrar-se no seu mundo conhecido.   Não escrevi nesse dia, mas recordei algo que o meu pai me dizia muitas vezes: “ – Um dia hás-de ter filhos….”   Fazia-o com a resignação serena de quem assina uma rendição.   Quando todos os outros argumentos para me fazer entender os seus motivos e escolhas lhe falhavam, dizia sempre esta frase, como que a consolar-se por saber que, algures no futuro, eu o viria a entender em absoluto.
    Mas tinha razão, o meu pai… Porque os filhos nascem e, com eles, o entendimento do lado de lá; a compreensão do que se sente, como progenitor, a cada regra que se impõe, cedência que se faz ou permissão que se dá!  Cada escolha que fazemos; cada “podes ir” ou “não podes ir” que pronunciamos como se de um veredicto se tratasse, são determinantes na “construção” da pessoa que os nossos filhos vão ser …
   Posso continuar a não concordar com alguns “não podes ir” que ouvi, mas já os entendo e aceito. E, por mais que a permissividade  que dou aos meus filhos seja um pouco mais ampla do que a que me foi dada a mim, sei que o resultado final virá a ser semelhante: adultos coerentes, autónomos e preparados não só para  fazer as suas escolhas como para lhes suportar as consequências.
Ana Dias

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