Um olhar, um simples olhar, pode por vezes encerrar em si o maior dos poderes. E se a sabedoria popular diz que os olhos são o espelho da alma, o que dirá das emoções que eles encerram?
E porque acontece, tantas vezes, que as pessoas se falem sem se olharem? Teremos medo que o olhar nos traia, transmitindo ao nosso interlocutor que não sentimos realmente o que estamos a dizer? Porque não olhamos os outros nos olhos? Será esse acto uma entrega demasiado íntima? Estaremos a desproteger-nos com tal contacto?
Quantas vezes olhamos directamente nos olhos da pessoas a quem falamos, conhecidos ou desconhecidos? Quantas vezes sustentamos as nossas palavras com a sinceridade do olhar?
Ao longo de uma simples manhã podemos falar com inúmeras pessoas: familiares, colegas, a senhora do café ou o carteiro. E, de cada vez que falamos, (ou ouvimos) será que realmente os olhamos?
O que será que tanto nos assusta, para que fujamos do mais natural dos contactos? É sabido que o olhar tanto pode encerrar em si bençãos indescritíveis como as mais temíveis ameaças. Um olhar ternurento ou agradecido pode manter-nos a sorrir durante muito tempo e um olhar de raiva leva-nos ao pior pesadelo. Se recebemos um olhar de medo, a superioridade que nos faz sentir vem com um sabor amargo; se o olhar é de admiração, o ego sobe-nos a inacessíveis cumes e, se é de pura tristeza, inspira-nos a piedade.
Tão poderoso é o olhar. Se sustenta as nossas palavras, dá-lhes redobrada força, mas se as trai, rouba-lhes todo o valor. Porque os olhos não mentem. E são o espelho da alma.
E o que acontece se, ao longo dos nossos dias, nos forçarmos a olhar? E se nos cruzarmos com quem connosco partilha a vida e os olharmos nos olhos, logo pela manhã? E se, ao pedirmos o galão e a torrada, o fizermos com um olhar de sorridente simpatia? E se o bom dia dito aos colegas for realmente desejado e subscrevermos a banal afirmação com o mais genuíno olhar?
E se procurarmos o olhar alheio, sustentando-o, para nos fazermos ouvir com verdadeiro sentido? Que consequências trará tão gigantesca ousadia? Atrevo-me a antecipar resultados assombrosos. Estamos de tal forma habituados a não usar o olhar que lhe esquecemos o poder.
E atrevo-me a deixar o desafio… De comunicar não só com palavras, mas com a mais fenomenal ferramenta. Aquela que deixámos de usar pelo medo de nos darmos e, acima de tudo, pelo receio de receber. Desafio-nos a olhar. Olhar nos olhos e sustentar esse olhar. Dando um bocadinho de nós; do nosso carinho, agradecimento e verdade; dando um pouco do nosso íntimo. Desafio-nos a olhar e esperar, enquanto olhamos, pelas vindouras bençãos….
Ana Dias
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