(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

10.2.14

Protocolos

Protocolos

- João, tira a blusa e veste-a de novo, está ao contrário.
Virei costas e fui lavar os dentes.
- Quando eu for presidente vai-se poder usar a roupa do direito e do avesso! Cada um é que escolhe, porque eu vou fazer essa lei!- ouvi-o dizer lá do quarto.
O Tomás fartou-se de rir e, a mim, a pasta de dentes saiu-me disparada em chuveiro, claro! "Bem, pelo menos ficavam sem efeito muitos atentados ao protocolo..."

Pouco depois, ao pequeno-almoço, até deu gosto vê-los, de guardanapo de pano sobre as pernas, muito direitos, a comer as panquecas de faca e garfo e a beber o sumo de frutas com ar emproado. O hotel, em Motril, foi por eles escolhido com muita satisfação.
- Pode ser este, mãe? Pode, pai?
Olhei para o Ricardo e pisquei-lhe o olho.
- Pode, meninos. Hoje escolhem vocês!

Viajar com os putos ao sabor do improviso tanto pode ser maravilhoso como desesperante. Especialmente quando o ilustre pai das exigentes criancinhas se vai lembrando de novos planos a cada cinco minutos:
- E macacos? Querem ir ver macacos a Gibraltar? - perguntou-lhes, enquanto almoçávamos em Nerja.
- Yeeeeaahhh!
E eu nem disse nada, apesar de, mais tarde, me terem feito engolir à pressa a meia de leite em Marbella.
- Vá mãe, despacha-te ou já não conseguimos ver os macacos!
"Raios partam os macacos, detesto macacos! Estava-se aqui tão bem!"

Eram umas oito da noite quando chegámos ao cimo do cerro de Gibraltar. Macacos nem vê-los, já deviam estar a dormir. A viagem, contudo, não foi perdida. Entre roupas do avesso e imprevistos constantes, o dia foi completamente desprovido de qualquer protocolo e totalmente preenchido por inesquecíveis momentos.

Ana Amorim Dias

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