Peru do ano que vem...
O almoço do dia de Natal é sempre em casa da sogra. A canja, o bacalhau no forno e, claro, o belo do peru, inchado de tanto recheio.
- Ana!?-
- Oups! Já parei, já parei!- estava a tirar fotografias de louca, a atacar o dito bicho, e desculpei-me pelo abuso.
- Para o ano és tu!-
- Eu? Sou eu o quê?- sei muito bem que o que as sogras dizem é lei, nem vale a pena argumentar...
- Então, para o ano és tu a cozinhar o peru! A tradição tem que seguir!-
Fingi que não ouvi. Desconversei, fomentei outras conversas e esforcei-me para que a conversa morresse ali, mais finada que o peru que jazia sobre a mesa. De nada serviu: com as sogras não se brinca!
- Ouviste? Tens que aprender a fazer o peru, Ana, senão a tradição perde-se...-
A menina Glorinha tem razão, por mais que me custe a admitir. Tenho que aprender a temperar, rechear e cozinhar o bicharoco, no forno a lenha, se quero fazer valer a pretensão de ser uma matriarca capaz! Afinal, tenho feito coisas bem mais difíceis e não costumo sair-me mal.
No meio das conversas dos alegres comensais e da música de Natal que se desprendia da televisão, perdi-me nos pensamentos. Nunca estamos completos nem totalmente instruídos. Se queremos tornar-nos na pessoa que sonhámos, isso implica aceitar uma ajudinha de quem se propõe a ajudar-nos. "Por isso, peru do ano que vem: desculpa lá mas és meu!"
Ana Amorim Dias
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