(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

26.12.13

Cem por cento e mais duzentos

Cem por cento e mais duzentos

O João adormeceu no sofá e eu levei-o para a cama. Subi as escadas com ele ao colo sem perceber bem como o estava a conseguir fazer. Eram quase três da manhã. Outra vez.

E hoje o telefone tocou às oito e pouco. Ameacei de morte quem teve a infeliz ideia de ligar tão cedo, a um sábado. Nem sequer tentei voltar a adormecer; a irritação não permitiria.

O almoço terminou e mal comi. Não tinha fome. Só sono e uma nuvem espessa a trespassar-me o cérebro.

"I'm doing the best i can, yes i'm doing the best i can!", cantavam no rádio do carro esta manhã. Estarei mesmo a fazer o melhor que posso?

Continuei insuportável durante quase todo o dia. Sim, tenho sono e o cérebro meio estafado. E consigo entender os motivos. O que não percebo é porque é que este mau feitio tomou conta de mim. Estarei a fazer o melhor que posso? Mesmo?

Fui varrer. Estava a precisar de um tipo de ação ritmada e humilde que me permitisse ordenar a cabeça. Que neura! Dou tudo por tudo e mesmo assim não basta? Escrevo de corpo vibrante e com a alma inteira. Entrego a intensidade, a loucura, a emoção. Faço correr as palavras com a mesma beleza com que corre um puro sangue numa praia deserta. Ou pelo menos tento. But am i doing the best i can?

"Devia sair uma lei que obrigasse todas as apresentações artísticas a estarem de sala cheia", pensei, "podia ser através de requisição civil ou de qualquer outro expediente, mas devia ser assim!" Pronto, saiu. Agora entendo perfeitamente a minha angústia e mau humor. Detesto falar para pouca gente mas, ao mesmo tempo, isto faz-me valorizar mais ainda quem aparece e me acompanha. Há uma certa injustiça na entrega absoluta a qualquer arte: passa-se tempo demais a dar quase tudo para obter quase nada.
"Então, Ana?? O que é isso?? Escrever é o teu mundo, o teu alimento; não devias precisar de mais nada!!" Assim que este pensamento chegou, tudo começou a mudar. Pousei a vassoura e pensei que dar cem por cento não chega: é preciso dar cem por cento e mais duzentos!
E garanto-vos que acabo de tomar a mais firme decisão: na apresentação desta noite, terei a energia a trezentos... mesmo que esteja a falar só para vinte.
Yes i'm doing the best i can!
I'll keep doing the best i can!

Ana Amorim Dias

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