Os gatos não fazem rotundas
Era um dos primeiros do dia deste ano. Eu estava numa rotunda... com um carro da polícia mesmo atrás de mim. "Ohhh shit! O que é que disseram nas notícias, mesmo? Ah, sim: fazem-se sempre por dentro e só se pode ir para a faixa de fora mesmo antes da nossa saída... Ou haverá hipótese de sair na seguinte?"
Nesse dia safei-me às garras da justiça. Nem de outra maneira podia ser pois costumo ser cumpridora. Mas fiquei a matutar sobre as rotundas pois sabia que seriam a analogia perfeita para algo.
Ontem estava a trabalhar e o gato sentou-se ao meu lado, com aquela carinha de mimo impossível de resistir. Parei o que estava a fazer e fiquei a olhar para ele: tentou roer-me os auriculares, espreguiçou-se, recebeu umas festinhas, bocejou, adormeceu, voltou a acordar, olhou para mim (juro que acho que ele me sorri) e tornou a recostar-se, com um ar cansado mas satisfeito.
- Tu nunca ficas de mau humor, pois não?- perguntei-lhe baixinho. E lembrei-me outra vez das rotundas.
Sempre gostei de rotundas e sempre hei-de gostar. Porque nos não a hipótese de escolha. Quem nunca deu nelas mais do que uma volta para perceber melhor a saída certa?
Mas o que pensei ontem, ao olhar para o meu gato que nunca se irrita, foi que as pessoas têm o hábito de ficar presas nas "rotundas do mau humor" sem saber dar pisca, encostar à direita, e sair dali o mais depressa possível. Quando atitudes alheias nos deixam de mau humor, gostamos de ficar a cozê-lo em lume brando, sem perceber que que a culpa do nosso estado de espírito é única e exclusivamente nossa; sem perceber que é sobre nós que recai a escolha de não desperdiçar tantas horas às voltas nesse círculo interminável de uma irritação que não nos compete.
Os gatos não fazem rotundas: limitam-se a enroscar-se no sofá com a tranquilidade própria de seres muito sábios. E nós? Será que da próxima vez que alguém nos irritar, saberemos dar pisca e sair rapidamente da nossa rotunda de mau humor?
Ana Amorim Dias
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