(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

22.1.14

Tripas enfarinhadas

Tripas enfarinhadas

Eram quase cinco da manhã e eu caminhava sozinha. Mãos bem quentes nos bolsos e suave sorriso no rosto. À minha volta as vozes alegres dos noctívagos soavam em gargalhadas indiscretas e canções mal entoadas. A energia vibrante desta cidade fria, cheia de calorosas pessoas, quase me fez voltar para trás e ir de novo ter com as minhas anfitriãs. Mas não; continuei a caminhar sozinha até ao meu quarto de Hotel, recordando os pontos altos desta noitada no Porto: as pessoas.

- Come, a sério!
Hesitei. "Tripas? Ai caneco!!"
- É muito bom, vais gostar!
Decidida, ataquei um bocado rechonchudo que me encheu a boca toda. "Se tem que ser que seja em grande." Mastiguei e mastiguei, senti o sabor a invadi-me, e continuei a mastigar.
- Bolas, meninas, isto parece pastilha elástica de tripa! - reclamei, dando por finda a experiência.
- É porque tiraste um bocado dos grandes. Experimenta um mais pequeno. - Aconselhou a Marina.
- Sim! Temos que dar uma segunda oportunidade a tudo!- ajudou a Paulina.
Voltei a comer e converti-me, num instante, numa apreciadora convicta.

"Quantas coisas boas perdemos, ao longo da vida, por causa das primeiras impressões falseadas?" pensei enquanto caminhava na alegre e fria noite. "Quantas convicções de 'não gosto', 'não sei', 'tenho medo' e 'não consigo' deixamos que se criem em nós por não nos darmos ao trabalho de experimentar de novo!?"
A miúda gira meteu-se comigo, arrancando-me às divagações.
- Canta connosco!
- Hã?
- Só o refrão, vá lá!
Pior do que não dar a nós mesmos a segunda oportunidade é nem sequer dar a primeira. Cantei com eles até chegar ao hotel. E foi lindo!

Ana Amorim Dias

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