(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

7.1.14

O mistério das cuecas azuis

O mistério das cuecas azuis

- Ana!-
- Hã?
- Fecha a boca!-
Eu sabia que a minha mãe tinha razão. Sentia-me absolutamente boquiaberta com o que estava a ouvir. Era normal que o queixo me tivesse caído até aos colares.
- Agora imagina o meu desespero quando a senhora da tal loja me disse: "Não há, e estão esgotadas em todo o centro comercial!"- continuou a minha cunhada a explicar. - Nesse momento percebi que tinha que avançar para os chineses, lá tinha que haver.-
No meio da minha embasbacada incredulidade eu ia-lhe perguntando:
- Tu estás a gozar comigo, não estás? Confessa lá!-
Amo loucamente esta minha cunhada, divertida e gozona, e estava à espera, a qualquer momento, que soltasse uma das suas gargalhadas triunfantes, revelando que me estava a pregar mais uma partida.
Mas não, desta vez era a sério.
- E se entrasses no novo ano sem umas cuecas novas azuis?-
- Impossível! Seria a primeira vez na minha vida!-
Ainda com todos sentados à mesa, continuei a perguntar-lhe os porquês, sem obter qualquer tipo de respostas consistentes.
Brindei a meia noite com as cuecas azuis a atormentarem-me o espírito e, um pouco mais tarde, quando fui ter com as minhas amigas à discoteca, percebi que estava perante uma epidemia!
- Vocês estão, portanto, a dizer-me, que cheguei aos 39 anos sem saber disto?!? Como?- sei que sou distraída mas isto superou todos os limites!

Na pista de dança, uma sensação estranha apoderou-se de mim! Estariam todas aquelas pessoas a cobrir as suas partes mais íntimas com a cor celestial de peças de roupa a estrear? Senti-me num filme de mutantes, a dançar no meio de uma invasão intergaláctica de cuecas azuis! Desejei ter visão raio X para verificar. Desejei começar a perguntar a todos: "Desculpe, está de cuecas azuis?"

- Fazes isso por mim?-
- Por ti? Claro, tudo!-
E lá fomos à casa de banho, tirar a fotografia às cuecas, para eu poder ilustrar a primeira crónica do ano.

Guiei sozinha até casa. Cinquenta quilómetros de um nevoeiro cerrado que só se desfez em Tavira. Sempre obcecada pela razão deste fenómeno: "Mas que raio de motivo pode justificar este tipo de epidemia? A única razão lógica é ter havido, há muitos anos, alguma loja com um grande stock encalhado, a lançar esta crença de que o ano só corre bem se nele se entrar de cuecas azuis a estrear!
Foi quando o nevoeiro se desfez lá fora, que o mistério se me revelou por completo, com a mesma nitidez da noite que se tornou cristalina. Não sei porque é que existe esta crença, nem me interessa, na verdade. O que eu gostava mesmo de saber é porque é que as pessoas não se questionam! Como se pode passar uma vida inteira a entrar em cada novo ano com cuecas azuis a estrear sem haver um fundamento lógico para tal? Não devemos agir sabendo porque o fazemos?
Estacionei o carro à porta, grata pelas minhas ligações neuronais que me permitem perguntar os porquês... E grata ao estranho mistério das cuecas azuis que me permitiu entender que a vida é muito mais interessante (e verdadeiramente repleta de significados) quando insistimos em descobrir as razões de tudo!

Ana Amorim Dias

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