(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

17.11.13

Uma noite no deserto

Uma noite no deserto

Ainda há pouco, quando estava a pôr queijo nos croissants matinais das minhas tropas, vieram-me à memória os dois triângulos de queijo creme que comi há uma semana, mais ou menos à mesma hora...

Eram seis e dezassete quando o Moha chamou por nós.
- Se querem ver o pôr do sol, têm que se despachar!-
Eu tinha caído no mais profundo dos sonos, depois de todas as emoções do dia anterior. A resistência de ambientação àquele entorno agreste e à humilde tenda que nos acolheu, depressa cedeu lugar a uma forte lição de vida que recebi com gargalhadas.
- Ainda bem, ainda bem, ainda bem!!- dizia o Ricardo, sem parar, ao ver onde iríamos passar a nossa noite no deserto.
- Mas "ainda bem" o quê?-
- Ainda bem que foste tu a marcar isto... porque se tivesse sido eu já tinha a cabeça desfeita com tantas reclamações.-
- Eu já te expliquei que mudei, Ricardo! Mudei muito!!- disse, a rir.

A noite não foi fácil. Pernoitei vestida, imóvel, a ouvir as tenebrosas rajadas de um impressionante vento que parecia querer levar tudo pelos ares. "Depois disto qualquer hotel vai ser bom!", comecei por pensar. E depois o pensamento mudou, satisfeito por ter um abrigo a proteger-me dos elementos: "...estou bem e vou ficar ainda melhor, mais forte e preparada para tudo...", ocorreu-me antes de cair no habitual sono de defunta.

Na noite anterior, enquanto jantávamos a deliciosa tagine que o Ricardo ajudou o Moha a preparar, conversámos os três muito tempo.
- Vou contar-vos algo incrível.- disse o Moha - Os japoneses ofereceram-se para fazer um túnel a atravessar o Alto Atlas...com a condição de ficarem com tudo o que encontrassem no subsolo!-
Fi-lo repetir aquilo para ver se tinha entendido bem.
- E Marrocos aceitou?- quis eu saber.
- Não.-
Não sei se é verdade ou não, o que o meu amigo berbere nessa noite nos contou, mas fiquei impressionada.

Enquanto distribuía os croissants pelas "tropas", antes de sairmos de casa esta manhã, dei com o sentido daquilo que o queijo me trouxe à memória: quando estamos dispostos a escavar túneis na dura rocha da nossa resistência ao desconforto, descobrimos os minérios interiores que nos compõem. Tenho agora a certeza que foi aquela ventosa noite no deserto que me revelou alguns dos diamantes que trago dentro: a capacidade de aprender com tudo; neste caso com a humildade do chão de uma tenda que me protegeu de uma tempestade de areia. Há coisas que, parecendo nada valer, são de um impressionante valor!

Ana Amorim Dias

Ps- Quando forem para os lados do deserto de Merzouga, não se esqueçam de passar pelo site do Moha : www.nirvanacameltreck.com
e marcar uma noite no deserto... pode muito bem suceder que também descubram preciosos minérios em vós!

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