(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

17.11.13

O homem que não quer nada

O homem que não quer nada...

Nos raros dias em que não tenho algo que me inspire a crónica, vou ao bloco de notas do telemóvel e espreito os pequenos apontamentos que vou registando sempre que algo me faz pensar.

Nota de 3 de Setembro:
- Quanto é que vamos ganhar por esta merda?- disse um.
Lembro-me que anotei as falas de uma cena de um filme, na qual dois bandidos contratados iam fazer alguma maldade.
- Um homem que não quer nada é invencível!- respondeu o outro.

Normalmente registo o que não entendo à primeira; ou o que pode ser alvo de várias interpretações; ou ser base de analogias; ou me faz rir, emocionar... Bem, vocês estão a perceber a ideia.
Já tinha lido o apontamento das falas deste filme várias vezes, mas a sua hora não tinha chegado... Até ontem.

- Mãe, o que é isto?-
O João estava entretido numa das suas "expedições de armário" e apareceu-me com vários desenhos e pinturas na mão.
- Quem é que fez este cavalo mãe?-
Abri um sorriso.
- Eu.-
- E dás-me? Para pôr no meu quarto?!?-
- Claro, amor.-

Desenhei o "cavalo espantado" quando tinha onze anos, há vinte e oito, portanto. E ainda consigo lembrar-me, com todo o pormenor, do que senti ao fazê-lo: exatamente o mesmo explosivo prazer que se produz em mim durante cada processo criativo. Quando se precisa deste género de alimento, passem os anos que passem, nada muda!

Nunca me passou pela cabeça quanto é que vou receber por um livro, uma crónica, um poema. Sempre que crio, estou sintonizada no mais absoluto prazer e não em projeções de lucros.
É claro que quero sucesso, mentiria se não o admitisse. Mas sucesso sem consistência, arte e prazer, nada mais é do que uma bola de sabão.
Ocorre-me, à semelhança do que disse o enigmático bandido do filme, que se um homem que não quer nada é invencível, aquele que apenas quer o prazer criativo talvez consiga ser imortal.

Ana Amorim Dias

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