Pontualidade e paisagem
O treino do Tomás começava só às seis, mas às cinco e pouco já ele estava a dar-me pressa.
- Não podes ir mais depressa?-
- Temos mais de meia hora para fazer três quilómetros. Estamos a ir de carro: importas-te de não ser tão histérico com as horas?-
Sei que em parte (ou será totalmente?) a culpa é minha! Tanto me empenhei em incutir-lhe a pontualidade que o pobre rapaz agora sofre com o todo o excesso que integrou em si.
Parei o carro junto ao ginásio e vi-lhe um esgar de aflição.
- Oh pááá... Esqueci-me da mochila do treino na escola, mãe!-
- Sem stress, baby. Vamos buscar.-
Fizemos o caminho de volta, entre Vila Real de Santo António e Castro Marim, para depois regressar. E ele, muito atrapalhado com o transtorno que pensava estar a causar-me, ia alternando as desculpas com resmungos contra si próprio.
- Importas-te de parar, filho? Já te disse que não há problema: vamos buscar a mochila, regressamos a tempo e ainda me deste um presente!-
- Hã? Um presente?-
- Olha para a esquerda, amor...-
Adoro passar nesse bocadinho de estrada, especialmente naquele sentido e à hora do pôr do sol. Há qualquer coisa inexplicável na felicidade que sinto ao percorrer aquela mágica distância em que o sol se reflecte na água, emoldurada por colinas ao fundo. Desisti de tentar justificar o fenómeno, optando apenas por subir ligeiramente o volume da música e me deixar levar pelo estado nirvânico.
No regresso estendi-lhe o iPhone.
- Tira fotografias, Tom, para a crónica de amanhã.-
E ele tirou, talvez rendido também ao misticismo do sol a esconder-se no sapal.
Tenho que arranjar maneira de lhe arrancar o sofrimento do excesso de pontualidade. Ser pontual é uma riqueza pessoal, desde que não nos deixemos tomar pela sua escravidão. Há muitas situações em que uns minutos de atraso são mais que justificáveis pela alegria sentida ao observar a paisagem...
Ana Amorim Dias
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