Indomáveis
Pensando agora mais friamente no caso, percebo que só não lhe bati por me ter revisto nele.
Cinco da tarde. Lanchou e saiu de casa, avisando que ia andar de bicicleta. Eu fui trabalhar um pouco no computador e acabei por cair num sono leve e, não sei porquê, inquieto.
Despertei quase às sete.
- Tomás, viste o João?-
- Não, mãe, ainda não voltou.-
Saí de casa. Chamei e chamei. Nada. Não estava a pescar na barragem, nem na casa da árvore nem sequer na vazia casa da avó. A bicicleta abandonada nos estábulos. Voltei a chamar. Com o coração aos saltos fui procurá-lo de carro e concluí que na Quinta não estava. Algo me dizia que com a avó também não estaria mas liguei-lhe mesmo assim.
- Estou numa reunião,- disse-me ela - mas ia telefonar-te mesmo agora: ligaram-me agora a dizer que o viram para os lados do Montinho.
Segui para lá a voar.
E lá vinha ele, pelo lado errado da estrada, a ouvir música no (inativo) telemóvel, com um cão rafeiro ao seu lado.
- Em que estavas tu a pensar, João? Não te ocorreu que eu podia estar a morrer de preocupação?-
- Então, apeteceu-me passear e fui ao café do Montinho (são quinze minutos a andar pela estrada) beber um sumo...- respondeu como quem acha que não fez nada de mal.
E eu, que estava demasiado assustada para ser racional, decidi dar-lhe de imediato alguns castigos.
- Percebeste agora, João?-
- Sim, mãe, o meu território por enquanto é só a Quinta...-
Acabei de lhe explicar há dez minutos que no Mundo também há gente má (infelizmente teve que ser) e de lhe fazer ver que compreendo e valorizo a sua grande autonomia e sede de liberdade (de quem a terá herdado?) mas que apenas devemos explorar territórios cujos perigos estamos já preparados para enfrentar.
- Se aos dezoito me disseres que queres ir conhecer o Mundo, eu vou deixar-te ir, filho, mas agora é cedo demais, ainda não é sensato! Eu compreendo essa tua sede de viver, mas tu também tens de tentar compreender a minha preocupação!-
- Pronto, mãe, não saio mais da Quinta sozinho.-
Sei que os genes indomáveis da autonomia e liberdade lhe foram transmitidos por mim, por isso amanhã sem falta vou carregar-lhe o telefone!
Ana Amorim Dias
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