(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

5.11.13

Pepitas de ouro no deserto

Pepitas de ouro no deserto

- Olha! Pepitas de ouro no chão!-
- Louca...-
- A sério! Repara como brilham...-
- Ana: aquilo é bosta de camelos, já em decomposição. Brilha por causa da incidência do sol.-
Comecei a rir, em cima do meu camelo a quem baptizei de "Zé" (o de trás ficou o "bambo") e não resisti a responder-lhe:
- Mas Ricardo, enquanto as pessoas normais, no deserto, vêem miragens de água, eu vejo de pepitas de ouro, o que é que queres?-
E depois calei-me. Fiquei a ouvir o absoluto silêncio apenas entrecortado pelo roçar da mochila nas costas e pelos esporádicos arrotos do "Zé" e do "Bambo".
A visão das dunas, com os seus laminados recortes dourados pelo sol poente, trouxeram-me a imaginária melodia das bandas sonoras de épicos filmes e consegui então entregar-me inteira ao momento.

São sete da noite no deserto. A tagine já cheira. Escrevo no acampamento, sentada sobre almofadas no chão. Enquanto as estrelas se vão acendendo, às centenas lá no céu, recordo a gigantesca duna que subi, para ver a vista, assim que me desmontei do camelo. Duzentos e tal metros à pressa, porque o sol estava a tombar. Cheguei ao topo estafada, admirei a paisagem e tirei fotografias, mas foi só quando me apercebi quão depressa a noite aqui cai, que me empolguei no regresso. Só que o raio da colossal duna tinha uma tal inclinação que, a ser no ski, seria uma pista vermelha. E então decidi fazer como faço lá na neve: descer a encosta aos "ss" para atenuar o efeito vertiginoso da inclinação. Cheguei cá a baixo mesmo à justa, a já não ver quase nada. E agora, antes de me entregar às estrelas, só me resta concluir que todas as experiências acumuladas (qual fortuna de pepitas de ouro), nos vêm a servir mais tarde sem que estejamos à espera.
E depois de hoje... Bem, depois de hoje, saberei para todo o sempre distinguir bosta de camelo de pepitas de reluzente ouro.

Ana Dias

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