(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

5.11.13

No meio do Alto Atlas

No meio do Alto Atlas

- És mesmo burra! Em vez de estares em casa sossegada, vens para estes fins de mundo repletos de perigos!-
- Já te calavas!- respondi a mim mesma enquanto Hassan, o guia berbere-Fitipaldi, punha a música "marrocaine" mais alta e dava gás à viagem.
- Afinal porque é que aqui estás, no meio do Alto Atlas, a ir sabe-se lá para onde em busca não sei do quê? Vá, responde!-
- Só podes estar a gozar!!-
- Claro que estou, parva!- conclui de mim para mim, com uma gargalhada em surdina, para rematar a questão.

Saímos com quatro horas de atraso devido a uma greve qualquer. O guia avisou que seria perigoso tentar furá-la pois podíamos ser vítimas de ataques. Comecei logo a "espingardar" com aquele tipo de folclore, mas não havia nada a fazer. O resultado foi que, depois de visitar vários locais (entre os quais o encantador Ait Ben Haddou onde filmes como o Indiana Jones, Gladiador ou o Príncipe da Pérsia foram filmados) chegámos a Ouarzazate ao fim do dia e, não bastasse o pouco tempo ali passado, ainda fizemos todo o caminho até às Gargantas do Dadès de noite. Como não vou voltar pelo mesmo percurso, perdi a oportunidade de ver a paisagem e isso, se inicialmente me irritou, depressa teve o condão de me fazer ver algo com toda a clareza. Percebi que quando viajamos de noite não podemos apreciar convenientemente a paisagem! Frase tão óbvia que até é apatetada, não? Então deixem-me alterar ligeiramente a fórmula desta equação...
Imaginem que a escuridão são os nossos medos, pessimismos, revoltas, stresses, recalcamentos, raivas e afins, e imaginem que a paisagem são os dias que se sucedem uns aos outros sem descanso. Na escuridão de toda essa porcaria, que permitimos invadir-nos, deixamos de ver a vida tal como ela é; tal como podemos fazer com que ela seja: uma paisagem encantadora; um cenário surpreendente!

Atravessei o Alto Atlas de dia, deslumbrada com a paisagem, com a música e com o embalo dançante das curvas sobre as vertiginosas ravinas. A última etapa do dia, apesar de feita à noite, aconteceu com a habitual claridade interior que me sabe iluminar o caminho...
- És uma caçadora de histórias!- disse a mim mesma.
- Hã?-
- Sim: perguntavas ainda há pouco porque é que estás aqui, a ir sabe-se lá para onde, em busca não se sabe de quê... O objetivo é bem claro!
- Escrever!! - disse eu, comigo, em coro.

Ana Amorim Dias

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