(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

5.11.13

Concessões em Marraquesh

Concessões em Marraquesh

Entrar em Marraquesh ao som de blues pode parecer um completo disparate, mas garanto que a culpa desta vez não foi minha; era o que estava a passar no transfer para o hotel.
Cheguei à hora mais perfeita a que se pode chegar a qualquer que seja o lugar: o almoço esperava por mim; só me restava descobrir onde. Um sumo aqui, um petisco ali, uma prova mais adiante...e deliciei-me sem receios nos locais que os nativos frequentam.
Ao fim de pouco tempo passado nas praças, ruelas e souks, já não conseguia aturar as constantes investidas.
- "Vien ici". Española? Brasilêra? Compra siñora!-
Estes tipos são mestrados na arte da persuasão. Mas eu já tinha decidido não me render à qualidade de "vítima", agindo sim como discípula, por isso adotei uma postura de moura (o aspeto ajuda, claro) e deixei de passar cartão a quem quer que fosse. Ao perceberem que caminhava como uma autista, depressa desistiam do massacre e eu podia, então em paz, observar e aprender.
Por outro lado, e para uma cidade que se quer embeber de uma atmosfera mais europeia e cosmopolita (porquê, porquê?!?), falharam por completo um detalhe: por onde pára a cerveja?!? Será mais importante manterem-se genuínos e fieis aos seus princípios, ou ajustarem-se um pouco às necessidades de um setor que lhes traz tanto dinheiro?
Nunca pensei que, entre cobras, macacos, cheiros intensos e milhares de sons diferentes, conseguiria ter divagações tão profundas causadas pelo desejo ardente de uma cerveja gelada (nem costumo ter estes "ataques" de sede mas asseguro-vos que o ambiente pede mesmo!). Devem ou não, estes mouros, render-se e permitir que os turistas bebam uns canecos? Mais: devemos manter-nos genuínos ou fazer concessões a quem nos ajuda?

Eram umas oito da noite quando encontrei, no terraço de um prédio, um bar deslumbrante. Luzes baixas sobre cores quentes, decoração luxuriante e uns sons de lounge oriental a dar para o new age que me arrepiaram por dentro. Está bem que os preços me fizeram suspeitar que estava em Paris...mas havia cerveja e eu estava feliz! E foi ali, enquanto apreciava a magia do tempo a parar, que entendi que as concessões não roubam a genuinidade; pelo contrário, normalmente até lhe trazem um redobrado sentido.

Ana Amorim Dias

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