Concessões em Marraquesh
Entrar em Marraquesh ao som de blues pode parecer um completo disparate, mas garanto que a culpa desta vez não foi minha; era o que estava a passar no transfer para o hotel.
Cheguei à hora mais perfeita a que se pode chegar a qualquer que seja o lugar: o almoço esperava por mim; só me restava descobrir onde. Um sumo aqui, um petisco ali, uma prova mais adiante...e deliciei-me sem receios nos locais que os nativos frequentam.
Ao fim de pouco tempo passado nas praças, ruelas e souks, já não conseguia aturar as constantes investidas.
- "Vien ici". Española? Brasilêra? Compra siñora!-
Estes tipos são mestrados na arte da persuasão. Mas eu já tinha decidido não me render à qualidade de "vítima", agindo sim como discípula, por isso adotei uma postura de moura (o aspeto ajuda, claro) e deixei de passar cartão a quem quer que fosse. Ao perceberem que caminhava como uma autista, depressa desistiam do massacre e eu podia, então em paz, observar e aprender.
Por outro lado, e para uma cidade que se quer embeber de uma atmosfera mais europeia e cosmopolita (porquê, porquê?!?), falharam por completo um detalhe: por onde pára a cerveja?!? Será mais importante manterem-se genuínos e fieis aos seus princípios, ou ajustarem-se um pouco às necessidades de um setor que lhes traz tanto dinheiro?
Nunca pensei que, entre cobras, macacos, cheiros intensos e milhares de sons diferentes, conseguiria ter divagações tão profundas causadas pelo desejo ardente de uma cerveja gelada (nem costumo ter estes "ataques" de sede mas asseguro-vos que o ambiente pede mesmo!). Devem ou não, estes mouros, render-se e permitir que os turistas bebam uns canecos? Mais: devemos manter-nos genuínos ou fazer concessões a quem nos ajuda?
Eram umas oito da noite quando encontrei, no terraço de um prédio, um bar deslumbrante. Luzes baixas sobre cores quentes, decoração luxuriante e uns sons de lounge oriental a dar para o new age que me arrepiaram por dentro. Está bem que os preços me fizeram suspeitar que estava em Paris...mas havia cerveja e eu estava feliz! E foi ali, enquanto apreciava a magia do tempo a parar, que entendi que as concessões não roubam a genuinidade; pelo contrário, normalmente até lhe trazem um redobrado sentido.
Ana Amorim Dias
Sem comentários:
Enviar um comentário