(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

24.11.13

Discrepâncias

Discrepâncias

- Boa tarde. Estou a falar com algum familiar do Tomás Dias Rodrigues?-
Fiquei logo aflita com o início daquele telefonema. O que se teria passado?
- Sim, está a falar com a mãe dele.-
- Estou a ligar dos serviços centrais do registo civil. O processo de renovação do cartão de cidadão do seu filho veio para tratamento manual devido a uma discrepância detetada...-
Percebi logo o que estava a acontecer.
- Confirme-me por favor, minha senhora: ele tem doze anos e...-
- E mede um metro e oitenta e dois, sim! Posso-lhe confirmar isso agora, no mês que vem é que talvez já não possa!-

Numa loja, no outro dia:
- Desculpe, a senhora é portuguesa?- perguntou a senhora que me estava a atender.-
- Sim, claro. Porquê?-
- Como é tão alta...Eu, se pudesse, gostava de ser assim!-
- Infelizmente não é coisa que esteja nas nossas mãos, como o ser-se mais magro ou mais gordo...- respondi, para a consolar.

Compreendo tudo o que o Tomás sente porque, com a idade dele, também eu era demasiado alta e tinha que enfrentar constantemente as exclamações de admiração.
Ser alto é fantástico. Não é que dê um sentimento de superioridade, mas acredito que traz uma sensação de segurança e confiança que o oposto talvez não traga. Também tem inconvenientes porque há momentos em que, para nos integrarmos nos grupos, nos curvamos um bocado, já para não falar dos espaços apertados nos quais a única vontade que temos é a de enrolar as pernas à volta do pescoço e deixá-las lá penduradas.

Mas o que retirei deste episódio foi uma certa sensação de impotência perante a discrepância entre o ritmo de desenvolvimento das crias e a nossa preparação para tal facto: num momento estão de chupeta na boca, com o ar mais fofinho do mundo e, depois de piscarmos os olhos, metem-nos debaixo do braço e ensinam-nos coisas a falar já com voz grossa. Num momento somos o centro das suas vidas e, no seguinte, "apenas" o porto de abrigo onde se abastecem de tudo.
Se fico incomodada com estas discrepâncias? Nem por um segundo! O seu imparável desenvolvimento é como a altura: não está nas nossas mãos controlar. Mas a maneira como encaramos o facto e os acompanhamos durante todo o processo, é como ser-se mais magro ou mais gordo: depende da nossa vontade!

Ana Amorim Dias

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