(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

26.8.13

Não tenho provas de nada

- Oh pá... Tu és tão pequenina!...-
Protegida pelos óculos escuros, conseguia esconder as lágrimas, mas não o estremecimento que os soluços me causavam.
Numa esplanada, com "cañas" e tapas à minha frente, constatei outra vez que os homens bons não sabem lidar com o choro sentido do sexo oposto. O meu pai também ficava nervoso ao ver-me chorar e eu, como qualquer terrível fémea que se preze, usava amiúde os novelescos dotes lacrimais para fazer valer os meus interesses. E ri-me no meio do choro ao lembrar-me disto, eu que estava a chorar com saudades daquele casmurro durão a quem tão bem dava a volta.

Gostava que a reencarnação existisse. Na verdade tenho passado a maior parte da minha vida adulta tentada a ter certezas de que é assim que a coisa funciona; que voltamos e voltamos e voltamos a voltar, em grupinhos engraçados que se ensinam mutuamente até se chegar à mestria existencial. Quando mais vivo, mais sentido me parece fazer esta sensação de já por cá ter andado muitas vezes a aprender pela primeira vez coisas que agora só lembro. Cumplicidades profundas, ligações extraordinárias e empatias inexplicáveis ficavam, assim, justificadas.

- Não percebes que o teu pai estará sempre aqui contigo? Ele nunca te vai deixar!-
Mais um golo na cerveja. "Então porque é que me vêm estas saudades da voz e do beijo que me dava na testa?" Encolho os ombros e deixo que mais duas pesadas lágrimas me desçam pela cara abaixo.

Não escolhemos a família. Não elegemos os pais, os filhos, os irmãos. Ou será que sim? E porque é que antes de os nossos filhos nascerem já os amamos tanto e sentimos conhecê-los? E o intrigante karma? Vem de onde? Para que serve? Faz sentido termos só algumas décadas para aprender a ser gente e fazer evoluir as nossas almas até à sabedoria acabada? Existirá tal estado de sabedoria acabada?
Não tenho provas de nada. Este campo é complicado e creio que poucos as têm. Mas sinto que há mais, muito mais, que apenas isto. E há uma certeza, de há anos, que nunca morreu em mim: quem amamos de verdade, vivo ou morto, está connosco. Desconfio que estará sempre.

Ana Amorim Dias

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