(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

23.4.12

Sete anos


As super mães fazem super festas. Por isso,  ontem,  cozinhei três horas e hoje acordei cedo e, às quatro da tarde,  estava tudo a postos para a festa do João. Mas deixem-me contar-vos como tudo aconteceu.
  Dez da manhã – O João acorda e pergunta, ainda ensonado,  -“ Mãe, é hoje o meu dia de anos, não é?” – Derreto-me e cubro-o de beijos.  Dou-lhe o telemóvel que me pediu, brincamos um pouco e parto, convicta,  para o desafio de criar a festa perfeita.
Onze e meia – O João entra na cozinha e diz que vai aos estábulos porque os animais estão agitados e tem que ir ver se algo se passa e resolver o problema. Percebo que não vou ter que me preocupar com ele: quem se atravessar no seu caminho é que talvez tenha que ter cuidado.
  Meio dia – Coberta de farinha da cabeça aos pés ( literalmente, acreditem )  e com a cozinha completamente dominada ( estou a falar da cozinha da Quinta do Monte, preparada para servir bodas para quatrocentas pessoas e onde normalmente trabalham cozinheiros e não escritores!) decido fazer uma pausa. Subo as escadas e vejo a caixa do telemóvel com  um bicho morto lá dentro. Anoto mentalmente: avisar o João que a caixa faz falta para trocar o telefone nos próximos quinze dias, caso tenha algum defeito.
Uma da tarde – A malvada da Margarida, a madrinha,  que está cá desde ontem (SUPOSTAMENTE PARA AJUDAR!)  chega finalmente da passeata e põe a criançada a almoçar.
Três da tarde – A comida está pronta,  mas o sítio onde a festa vai decorrer ainda precisa de ser decorado. Enquanto encho balões e corro para ter tudo pronto a horas,  não páro de me perguntar porque  é que os miúdos precisam de ter festas de anos!! Prometo a mim mesma tornar tudo mais simples para a festa do Tomás  que é já em Junho.
Quatro e dez – Pergunto-me porque é que ainda não chegou ninguém e também me interrogo como é que consegui fazer tanta comida sem ajuda de ninguém ( Ok, a Margarida ajudou um bocadinho, e  a avó Glória também fez bolos…)! Entretanto lembro-me que sou a super mãe  e que tanto eu como o puto estamos todos mal amanhados.
Quatro e vinte – Ainda bem que a malta não cumpre horários. Volto para a festa com o João, já todos bonitos, mesmo a tempo de começar a receber os convidados.
Cinco da tarde – Começo-lhe a dar no Lambrusco. Afinal mereço bastante porque sou a super melhor mãe do mundo!!
Seis e meia – O convite era para as quatro mas só agora é que está toda a gente.
Sete horas – Parece que a minha comida está muito boa. Pelo menos assim o dizem. Os putos andam feitos loucos pela quinta fora. Os animais estãos assustados porque pensam que o fim do mundo já chegou. Pela correia dos gansos na relva,  o armaguedão chegou com o sétimo aniversário do meu filho mais novo!
Oito horas – Não sei em que mesa me sente,  para dar atenção a todos. À cautela mantenho um copo em cada uma.
Nove horas  - O meu filho afirma, com convicção invacilável, que esta é a melhor festa de sempre. Os amigos atestam a veracidade da afirmação. Estou extasiada!
Nove e meia – A minha sobrinha Mariana dá show de voz e viola, deixando alguns convidados com comentários tipo juri dos Ídolos. Leva o papel amarelo.
Dez horas – Agarro-me eu à viola e começo a tocar as “ Dunas”. Raios partam o  lambrusco!!!
Dez e meia – Há  malditos desertores que começam a abandonar a festa. Ameaço que vou barricar as saídas da Quinta enquanto  a comida não for toda consumida! Que lata! Andei a fazer tudo em doses industriais para quê?
- Onze horas – As crianças refugiam-se em casa sozinhas e apenas algumas mulheres permanecem na festa. É sempre assim. As mulheres são mais resistentes. Enquanto convivo com elas, a minha mente vagueia  para a sensação que vou ter ao ver o previsivel cenário dantesco que me aguarda lá em cima, em casa.
- Uma e meia – Esta noite selou pactos de novas amizades. Agradeço interiormente ao meu filho mais novo por me proporcinar estes momentos e por ter amigos com mães tão fantásticas.
- Duas da manhã – Tenho uma conversa profunda com a minha sobrinha cantora/compositora. Falamos das insanidades dos criadores num momento muito profundo para ambas. Olho ao meu redor e percebo que o estado da casa é bem pior do que eu supunha. Não me importo. Sei que vou escrever e que mais nada importa. Dou um abraço apertado à minha sobrinha e os meus filhos reclamam que também querem.
- Duas e quinze. – O João tomba ao meu lado enquanto escrevo. Cai num sono exausto e feliz de quem teve um sétimo aniversário de sonho. Olho-o e penso: - “ talvez no teu décimo oitavo aniversário te ofereça a compilação de crónicas que fui escrevendo sobre ti ao longo das nossas vidas…
- Três da manhã – Agora sim, o dia pode acabar:  a crónica tardou… mas não falhou.
Ana Dias

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