(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

2.9.13

Tocar para quem se toca

Tocar para quem se toca

Quando eles se posicionaram em frente à nossa barraquinha, eu disse ao Tomás:
- Vês, baby? Vieram tocar para mim!-
- Êh! Lá estás tu com as tuas coisas! Não vieram nada tocar para ti!-
- Ai não? Eu já te provo que sim!

A primeira vez que ouvi os "Le Condor" foi há muitos anos, lá em cima, no castelo, numa das iniciais edições dos Dias Medievais de Castro Marim. Em todos os anos seguintes, as sensações causadas pelo flautista com ar de Cristo e pelos seus acompanhantes voltaram a repetir-se: um encantamento enigmático e uma alegria pacificadora, capazes de me fazer transpor os limites do tempo e entrar em sintonia com tudo.

Alinhado à nossa frente, com o flautista com ar de Cristo exatamente no meio, o numeroso grupo fazia a sua magia. E eu deixei que a música me transportasse para além dos portais da razão, afinal eles estavam a tocar para mim. Perante o ar embasbacado (também maravilhado?) do meu filho mais velho, embalei nas asas das melodias e sorri para os intérpretes, deixando talvez que se apercebessem que estavam a tocar o mais nevrálgico centro de alguém.

- E isto o que é?- perguntou o flautista com ar de Cristo, algumas horas mais tarde, apontando para os pãezinhos.
- Música para a tua boca.- respondi com um sorriso enquanto lhe estendia um pão que não o deixei pagar-me.
Devolveu o sorriso e deliciou-se enquanto trocávamos algumas palavras.

Passou-se mais algum tempo e o flautista voltou. Trazia companheiros para comprarem a delícia que tinha provado e trazia também um CD, que alegremente me ofereceu.
- Oh mãe... Eles tocaram mesmo para ti, não foi?!?- questionou o Tomás.
- Sabes, meu amor? Os artistas tocam sempre para quem se deixa tocar pela sua arte...-

O cd continua no rádio do carro. A tocar. A tocar-nos.

Ana Amorim Dias

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