(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

26.3.12

O valor de uma ervilha

    Devia ter os meus sete anos quando li uma estória (acho perdoável não me lembrar já do nome) em que uma princesa na miséria pede abrigo a uns lenhadores. Estes, desconfiados da veracidade do seu sangue real, decidem deixá-la pernoitar na sua casa, mas em cima de dez colchões com uma ervilha por baixo.
 Na manhã seguinte, depois de lhe perguntarem como tinha passado a noite, a princesa respondeu que não tinha conseguido “pregar” olho,  pois a cama era muito desconfortável. Os lenhadores comprovaram assim que ela era de facto uma princesa, pois só uma princesa sentiria uma ervilha debaixo de dez colchões.
  Mas que raio?  Eu podia ter só sete anos, mas a estória pareceu-me tão estúpida que fiquei a remoer a coisa por uns tempos. Como podia haver alguém que,  estando deitado em cima de dez colchões,  sentisse a ervilha que estava por baixo deles?  Se a ervilha estivesse cozida também a sentiria?  De que raios servia ser-se princesa se não se conseguia dormir bem por uma coisa tão insignificante?   Que raio de lenhadores eram aqueles, que tinham dez colchões a mais em casa? Será que os tinham ido pedir  à estalagem do lado?
    Eu nunca tive aspirações a ser princesa ( credo!!) mas,  caso a inocência infantil me tivesse dado para aí, creio que me teria passado logo a vontade porque fiquei a achar que quem tem sangue real está munido de uma carga de sensibilidade tão grande que só me traria chatices.
 Não sei porquê, ontem lembrei-me disto. Talvez tenha sido apenas para perceber que a tal ervilha foi, para mim, um diamante: trouxe-me a riqueza de saber que, por mais que leia, veja ou oiça, é pela minha cabeça que penso, interpreto e entendo.
Ana Dias

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