(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

10.11.11

O único problema do Homem…

    
O único problema do Homem é teimar em esquecer-se que tem prazo de validade.  Parece-me bastante óbvio que,  se chegassemos à vida como os iogurtes, com o limite do prazo gravado na tampa, o Mundo seria um lugar bem diferente.  E nem era preciso saber a data exata do perecimento, bastava a consciência plena da sua vindoura ocorrência.
  Confesso que as epifanias de pessoas que passaram por grandes provações e descobriram o intrínseco  valor da vida, já não me comovem nem inspiram.  Na verdade só vêm corroborar a teoria do óbvio fim, segundo a qual o conhecimento da existência de algo tão irrefutável  e imperativo como a  morte deveria ser  o maior aliado para uma vida boa e recheada de sentido.
  É bem provável que, ao fim de apenas dois parágrafos, estejam a lamentar este sórdido tema e a ponderar seriamente interromper, por aqui, a leitura. A escolha é vossa… talvez não percam nada …  ou talvez estejam  a deixar passar uma oportunidade única…   Mas decidam vocês próprios se vão ou não enfrentar este touro  pelos cornos!
  É tão simples quanto isto: não existe vida sem haver morte e não há morte sem ter havido vida.  Mas como é que a consciência do fim nos pode dar sentido à existência?  Comecemos por um exemplo muito prático e simples: imaginem que a vossa vida era um longo e interminável período de férias sem data certa para regressar ao trabalho.  Tinham a vaga ideia que o dia do fim das féria eventualmente chegaria, mas nunca acreditavam que vos acontecesse a vocês… pelo menos não tão cedo…  E então, como as férias eram tidas como garantidas e intermináveis, perdiam todo o sabor: não eram vividas com a alegria absoluta nem com a energia devida;  ficavam sempre visitas e programas por fazer porque as férias iriam durar para sempre e haveria tempo para isso mais à frente; não iriam saborear aquele banho de mar  que, por inércia,  não dariam; não leriam todos os livros que a vossa sede impunha; não fariam aquele jantar para todos os amigos e familiares,   com velas e à luz da lua; não iriam ver o amigo que estava na estância balnear ao lado da vossa; não beberiam um elaborado cocktail ao pôr do sol  na companhia do vosso amor … Não fariam nada disto  simplesmente porque  haveria muito tempo até ao dia em que as férias acabariam,  por mais que, no fundo, soubessem que elas não podiam durar para sempre!
     A nossa vida são essas férias, sabem??!!  E um dia vamos  ser  “chamados para nos apresentarmos ao serviço” e não gozámos as férias!! Podemos até chegar à conclusão que não aproveitámos um dia sequer! Podemos ter ainda um laivo de consciência e perceber que deixamos passar todas as oportunidades, mas as férias chegaram, impreterivelmente, ao fim!
  E como podemos inverter esta devastadora tendência para esquecer o óbvio, que nos corre nas veias desde tempos ancestrais?  Que mecanismos existem para nos lembrar que a vida é limitada no tempo e que, até prova em contrário, é só com esta que podemos,  sem dúvida,  contar?   
    Há uma solução tremendamente simples: estabeleçam um fim imaginário para as férias da vida… Seis meses, um ano, dois anos… não importa. Imaginem apenas que têm  uma data marcada para o fim. Que lista farão de coisas a fazer? Quais serão as vossas prioridades?  Vão beijar e abraçar todos os dias as pessoas que amam? Vão perdoar ofensas e perceber que as raivinhas e ódios não valem, de todo, a pena?  Vão visitar os amigos que há tanto tempo não vêem? Vão pintar o tal quadro, escrever o tal livro, fazer a tal escultura ou canção? Vão finalmente tornar a vossa casa num caos de cor, amor e incenso? Vão fazer aquela viagem sozinhos? Vão enfrentar os vossos maiores medos? Vão dançar à chuva, dormir ao relento, cantar ao vento?  Vão saber viver o momento, apreciar a paisagem, ver o lado bom?  Vão conseguir fazer figura de parvos, ser tidos por loucos, rir à gargalhada? Vão aprender que é tão bom dar como é receber?
  Dêm-se ao trabalho de estabelecer este imaginário fim das vossas vidas e levem-no a sério. Comportem-se de acordo com o prazo que a vida, inexoravelmente, tem.  Não esperem por uma desgraça para que a epifania se dê!  Não esperem por ver a morte de frente para aprender a viver a vida bem! Podem já não ir a tempo!  
   E se fizerem esta experiência de forma dedicada, séria e consciente, verão que, quando o prazo fictício se esgotar, já aprenderam a viver de acordo com o que a vida realmente deve ser: viva, acordada, sentida, surpreendente, avassaladora  e plena.
  Experimentem… antes que as férias acabem.
Por agora, a todos os que tiveram a coragem de chegar ao fim deste texto, apenas me resta congratular-vos pela ousadia, pois tenho a certeza que, ao fechar a revista, vão pegar numa folha e começar a rabiscar uma interessante e arrojada lista que vos fará embarcar na mais proveitosa viagem que alguma vez fizeram…
Ana Dias

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