(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

1.4.13

O melhor banho

O melhor banho

Era Agosto. Agosto de 1989. O pó avermelhado e fino que os helicópteros elevavam pelo ar cobria cada milímetro do meu corpo. No Monte do Gozo, perto de Santiago, éramos 400.000 jovens por aqueles dias, naquela que foi a IV jornada mundial da juventude.
Vi o Papa João Paulo II, sim senhor: passou mesmo à minha frente. Mas a sensação de sujidade estava a perturbar-me com uma tal intensidade que creio ter rezado pelo milagre de um banho.
- Ana!-
Abri lentamente os olhos e vi-o, completamente desperto, a acenar para que o seguisse.
- Shhhh, não faças barulho para não acordares mais ninguém!-
Caminhei alguns minutos, no meio dos milhares de tendas e de pessoas que iam despertando para o dia, sem fazer ideia do que me esperava.
- Para onde me levas?-
- Já vês. Vais gostar! - e deu-me a mão para que eu não duvidasse.
Ao fim de uma curta caminhada, para lá da multidão, no sopé da colina, apresentou-me finalmente a sua oferenda: um riacho abundante e cristalino, sem uma única presença humana!
Creio que o meu agradecimento foi tão grandioso como a sua amorosa oferta: um banho de felicidade pura que me arrancou cada grama daquele pó infernal.
Tenho quase a certeza que foi naquele momento que me apaixonei por ele. Na parca sabedoria dos meus quinze anos lembro-me de ter pensado: "Uau! Se ficasse encalhada numa ilha deserta, que fosse com ele!"
Sei que lhe perguntei como tinha descoberto o fantástico manancial e que ele me explicou o raciocínio lógico que o levara ali. O que não lhe perguntei foi o porquê de me ter escolhido a mim para entregar o prazer daquele banho perfeito. Não foi preciso. Percebi bem depressa que ambos tínhamos escolhido a companhia um do outro para a aventura da ilha deserta do resto da vida.
O problema é que a ilha deserta do resto da vida pode ser tão incrivelmente hostil que poucos lhe resistem. É por isso que me alegro por lhe ter captado as grandes capacidades de sobrevivência; por o ter eleito. E é por isso também que quando as tempestades chegam à paradisíaca ilha, escolho nunca me esquecer...do meu melhor banho.

Ana Amorim Dias

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