Acho graça à forma como os temas para estas crónicas surgem nos mais insuspeitos ambientes e quando menos os espero. No outro dia, ouvi uma “discussão” em que os intervinientes (pai e filho) diziam mais ou menos isto: - “ Mas porque é que temos que estar sempre a debater o que eu vou fazer ou deixar de fazer? ” - Perguntava o jovem. – “ Porque o que fazemos na vida determina quem somos!”- Respondeu-lhe o pai. – “ Não concordo! Nós não somos o que fazemos! Nós fazemos o que somos!!” - Replicou o rapaz.
Por essa altura eu já estava com um brilhozinho nos olhos, a esfregar interiormente as mãos de contentamento pelo excelente tema que me estava a cair aos pés… e foi nesse momento que alguém acrescentou: - “ O que somos depende da forma como fazemos o que fazemos…”
E ali estava eu ( maravilhada com todas as equações que poderia vir a fazer com aquelas díspares opiniões) a pensar quem teria, afinal, razão.
Somos o que fazemos ou fazemos o que somos? Há inúmeros casos de pessoas a quem a profissão se cola como uma segunda pele, absorvendo toda a sua existência até que (quase) nada sobra da pessoa em si: vejam-se os médicos de província, os padres ou o dono da taberna. Quantas pessoas SÃO o que fazem e pouco ou nada mais? No fundo todas aquelas a quem quase todos conhecem pela profissão que têm… Por isso, cada um ser o que faz, não deixa de ser algo acertado… Redutor? Sim. Errado? Talvez não…
E quanto a fazermos o que somos? Conheço inúmeros casos em que a vocação das pessoas é de tal forma grande e sentida que dá a real sensação de fazerem o que são, como se pusessem toda a sua essência na ocupação que assumiram. Penso que, para se fazer o que se é, a vocação é uma palavra chave e isto tende a acontecer mais nas artes: quando um bailarino dança, ele É dança, é harmonia e arte; quando um escultor cria uma obra, aquela obra É uma parte do seu criador, é um prolongamento da sua essência, ele está a fazer o que É; quando um compositor cria uma melodia ou um músico a interpreta, eles são o encantador som que geram; estão a fazer o que SÃO por estarem a transmitir a sua essência… Logo, esta premissa também é correcta… mas não absoluta pois nem todos podem fazer o que são; nem todos têm essa sorte ….
Mas quem realmente me marcou na tal “discussão” que aqui transcrevi, foi o rapazinto que, sem antes ter proferido palavra, terminou com a conversa dizendo que o que somos depende da forma como fazemos o que fazemos…. E é exactamente aqui que me rendo, pois ao fazer o exercício com a única pessoa que realmente conheço minimamente bem (eu), constato toda a veracidade da frase! Não deixando de ser algo mais do que aquilo que faço (penso que isto já ficou claro), sei que sou o que faço e da forma como o faço: imensas coisas em simultâneo, vibrando com a criatividade; numa profusão de registos diferentes e “encarnando” diversas personagens profissionais ao longo do dia ou da semana… Pelo que faço e como o faço, sei-me apaixonada, calorosa, regrada e impulsiva. Sei-me capaz de tudo aquilo a que me proponho porque mesmo quando tremo por dentro, nos meus trapézios sem rede, nem espaço para repetições, vibro na adrenalina que no corpo se fabrica e voo na plenitude incomparável que sinto após cada batalha vencida. Eu sou o que faço, da forma como o faço: sou a paixão que nos meus projectos se reflecte…. E vocês????
Ana Dias
Sem comentários:
Enviar um comentário