A pequena orquestra começa a tocar e os dançarinos tomam o palco. A pele arrepia-se e os sentidos apuram-se, não querendo perder nenhum detalhe daquele banquete emocional.
No café de los Angelitos, em Buenos Aires, o ambiente quer fazer-nos regressar à primeira metade do século passado. Durante um bom bocado, desço do meu covil, na terceira nuvem à esquerda, e entrego-me em absoluto à paixão.
Para ser sincera, quando me sentei para jantar ( a carne aqui é realmente divina, devem fazer qualquer coisa às vacas…) e ver o show de tango, não estava à espera de ver os artistas a fazer amor em palco! Porque, acreditem, é realmente isso que fazem enquanto dançam. E nós, pobres e mortais turistas, ficamos ali, como voyeurs embasbacados, a sonhar dançar como eles dançam e apaixonar-nos com aquela mesma paixão.
Os corpos movem-se com um frenesim tão extasiado quanto é expressivo o rosto de cada bailarino. Sente-se-lhes a tensão do desejo e a dor de quanto sofre quem apaixonadamente ama. Então as quatro pernas rodopiam e entrelaçam-se a uma velocidade tão super-sónica que ficamos com a respiração em suspenso, a temer que, a qualquer momento, um passo em falso os faça ficar estérieis para todo o sempre.
Se alguém me perguntasse, diria que é a mais perigosa das danças: a tensão emergente, ao confluir com rios de desejo banhados em expressão corporal levada ao limite, parece capaz de provocar uma síncope aos exímios executantes. Tango é desejo ardente, é paixão pulsante e perigo iminente. Tango é vida, arte e amor.
É por isso, e só por isso, que além de vos desejar que algum dia vejam algo assim, me desejo a mim, a vida num tango…
Ana Dias