Sem saber
Há uns dias comecei a falar com uma senhora que não conheço de lado nenhum, como tantas vezes acontece. Na fila do supermercado, por ficar forçosamente quieta, tenho que me entreter com alguma coisa. Falei-lhe com o à vontade com que falo a toda a todas as pessoas, conhecidas ou não, mas estranhei a sua euforia por eu lhe estar a dar atenção.
A minha irmã tinha na carteira um postalito de um santo, com uma pequena oração. Com a curiosidade dos meus oito ou nove anos, perguntei-lhe o que era aquilo e ela contou-me a história.
- Eu estava na minha hora de almoço e uma velhinha, daquelas que moram na rua, pediu-me uma moeda porque estava com fome. Pedi-lhe para esperar e fui buscar qualquer coisa para comermos.-
- Para comerem?- perguntei.
- Sim, querida. Sentei-me com ela e almoçamos as duas, sentadas num degrauzinho da rua. Foi tão bom. Quando nos despedimos ela ofereceu-me esta oração.
Sei hoje que aquele almoço deve ter sido muito especial para ambas. O que não sei é se a minha irmã alguma vez sonhou no que este almoço fez por mim. Mas esta é uma prova irrefutável de que os nossos gestos têm repercussões que vão muito para além do momento, e se multiplicam como ondas para além do tempo e do espaço. Lembrei-me disto de novo, há dias, perante o olhar espantado da jovem mãe cigana, com quem tanto conversei na fila do supermercado.
Ana Amorim Dias
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