Capitalista
Gosto de dinheiro, claro. Gosto de dinheiro nas contas, nos bolsos, na mala. Gosto de ganhar dinheiro e de gastar dinheiro. Gosto de dar dinheiro a ganhar. Não gosto que me roubem dinheiro nem que tenham deixado o país num estado em que já nada dá dinheiro por dinheiro não haver.
Encaro como normal esta minha relação com o dinheiro. Convivo com ele mas não vivo para ele. Conheço o seu valor, que é exatamente o que vale e nem um cêntimo a mais. E nem sequer vou dizer que o prazer de comprar é fugaz e se esgota assim que se passa o cartão, porque há coisas que ele compra que ficam mesmo para sempre. Há coisas compradas que nos marcam, constroem e deixam lembranças que ficam para sempre. Há dinheiro que sim, traz mesmo felicidade, sobretudo quando vem daquilo que amamos fazer e quando deixa feliz quem compra o que fizemos tão bem.
Gosto de ver para lá do dinheiro, para lá das roupas rasgadas que envolvem os indigentes; para lá dos fatos de marca e dos sapatos italianos. Gosto de me sentir para além do dinheiro, de saber que consigo sentir felicidade no zero e no mil. Gosto de perceber que talvez consiga viver com a humildade de ter para partilhar e com a nobreza de algum dia o ter que pedir.
Sei que só se adormece, imediata e profundamente, quando o básico está assegurado, quando não há grandes dívidas nem a sombra de devastadoras perdas. Mas o que de mais importante sei é que uma fatia de pão com manteiga partilhada com a minha melhor amiga, me sabe muito melhor que toda a lagosta do mundo; que ver as gargalhadas felizes da existência normal dos meus filhos me orgulha mais que tudo o que lhes possa comprar; que a alegria mais intensa pode estar numa volta ao quarteirão e não numa volta ao Mundo. É que o dinheiro pode comprar muitas coisas mas vale só o que vale e nem mais um cêntimo. Pode comprar muitas coisas mas não compra o sentido crítico, a sensibilidade, a inteligência e a criatividade. O dinheiro não compra a arte interior, a amizade eterna, o amor verdadeiro, a fé fervorosa, o respeito merecido nem a admiração genuína.
Sou capitalista, sem dúvida, mas acima de tudo de emoções boas e das gargalhadas que até de cabeça para baixo sei dar.
Ana Amorim Dias
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