Não sei se vos aconteceu, na juventude, idealizarem como seria a vossa vida adulta. E se o fizeram, não sei se ainda se recordam. Eu lembro-me. Mas fiz batota. Só me recordo do que sonhava para a minha vida adulta porque há uns tempos descobri uma carta que me recordou sobre o que, na altura, a minha imaginação alcançava.
Eu imaginava uma vida citadina, com um lindo apartamento, filhos, um bom emprego e um eterno amor inocente e juvenil. Imaginava uma vida absolutamente normal, porque foi na normalidade e na segurança de um bom emprego que fui levada a crer que tudo correria bem e estaria segura.
Li aquela carta com a incredulidade de quem se recusa a acreditar que já foi tão limitada. Li-a como se fosse a personagem de um filme de aventuras que olha, através do ecrã, para o observador que jaz inerte no sofá.
Tirando os filhos, tudo o resto saiu invertido. Moro num paraíso bucólico; nunca tive um bom emprego nem salário certo ao fim do mês, mas tudo o que faço enche-me de um prazer inexplicável; e o amor, ao invés de inocente e juvenil, cresceu para uma aventura que se contrói, inexplicável, numa conquista surpreendente e diária. Vivo numa vida que nem eu mesma tive capacidade para imaginar. Uma vida cheia de tempo, projetos, aspirações, energia, sol, mar, palavras, música, cultura e emoções. Uma vida arriscada e completamente alheia à normalidade instituída pelas mentes comuns. E acabo por perceber que foi por ter rejeitado por completo a segurança da normalidade que agora tenho uma vida boa e “normal”.
Não me vou pôr a imaginar mais o futuro. Já percebi que ele tem sempre a hipótese de adquirir contornos mais surpreendentes e atípicos do que temos capacidade para supôr. Já percebi que a normalidade é um conceito demasiado amplo e moldável, inconfinável a qualquer tipo de padrão pré-estabelecido. Porque, no fundo, por mais anormal que seja a nossa vida, o truque de a viver bem, é olhá-la como se fosse a mais normal das vidas.
Ana Amorim Dias
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