Sentei-me no carro e dei à chave. Concentrei-me em meter as mudanças com a mão esquerda, mas a direita teimou em tentar destravar o travão de mão. Soprei a madeixa de cabelo que me pendia no rosto e abri o vidro.
“Não és tu, parva!” – Disse à minha mão direita. – “ É a outra!” E a mão esquerda, obediente, lá destravou o carro que já tinha a marcha a trás engatada.
Tive que pensar bem como ia sair daquele parque, mas usei a lógica, essa fabulosa ferramenta da razão, e coisa até correu bem. Entrei na estrada sempre pela mão esquerda e com a minha mão esquerda bem ativa nas mudanças. Passaram só cinco minutos e já eu ia a guiar e a conversar alegremente como se aquilo que estava a fazer, pela primeira vez e contra todos os meus instintos, fosse a coisa mais simples do mundo. E sabem que mais? É mesmo!
Se eu pensasse bem nas coisas talvez não me tivesse metido à noite, num carro alugado e “todo trocado”, numa terra que me é completamente desconhecida, a guiar no que é, para mim, o lado errado da estrada. Mas a verdade é que não pensei muito e acabei por fazer algo que sempre tive curiosidade em experimentar, para ver como me sairia. Em boa hora o fiz pois fiquei com a satisfatória noção de ter efetuado mais um upgrade às minhas (já vastas?) capacidades. Em boa hora o fiz porque adoro a sensação de ter a habilidade para me desenrascar bem em situações diferentes e de me sentir completamente à vontade em muito poucos minutos. Mas o motivo que mais me alegra é ter feito uma descoberta: podemos dominar os instintos!
É nas coisas mais simples que percebemos a força dos hábitos. E mesmo que alguns hábitos estejam de tal forma enraizados em nós que até lhes chamamos instintos, percebi ontem que a desenvoltura e a capacidade de nos mantermos focados no que estamos a fazer nos dá a superioridade do controle sobre coisas bem importantes.
Há instintos que podem ser perigosos por nos conduzirem na vida completamente em contra-mão. E é por isso que, da próxima vez que notar em mim instintos menos bons, me vou lembrar da experiência de condução destes dias em Malta e tentar dominá-los com a serenidade e a lucidez da razão.
Ana Amorim Dias
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