(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

17.10.12

Instintos



   Sentei-me no carro e dei à chave. Concentrei-me em meter as mudanças com a mão esquerda, mas a direita teimou em tentar destravar o travão de mão.  Soprei a madeixa de cabelo que me pendia no rosto e abri o vidro.
   “Não és tu, parva!” – Disse à minha mão direita.  – “ É a outra!”  E a mão esquerda, obediente, lá destravou o carro que já tinha a marcha a trás engatada.
   Tive que pensar bem como ia sair daquele parque, mas usei a  lógica, essa fabulosa ferramenta da razão, e coisa até correu bem. Entrei na estrada sempre pela mão esquerda e com a minha mão esquerda bem ativa nas mudanças. Passaram só cinco minutos e já eu ia a guiar e a conversar alegremente como se aquilo que estava a fazer,  pela primeira vez e contra todos os meus instintos, fosse a coisa mais simples  do mundo.  E sabem que mais? É mesmo!
   Se eu pensasse bem nas coisas talvez  não me tivesse metido à noite, num carro alugado e “todo trocado”,  numa terra que me é completamente desconhecida, a guiar no que é, para mim, o lado errado da estrada. Mas a verdade é que não pensei muito e acabei por fazer algo que sempre tive curiosidade em experimentar,  para ver como me sairia.  Em boa hora o fiz pois  fiquei com a satisfatória noção de ter efetuado mais um upgrade às minhas (já vastas?) capacidades.  Em boa hora o fiz porque adoro a sensação de ter a habilidade para me desenrascar bem em situações  diferentes  e de me sentir completamente  à vontade em muito poucos minutos.    Mas o motivo que mais me alegra é ter feito uma descoberta: podemos dominar os instintos!    
   É  nas coisas mais simples que percebemos a força dos hábitos. E mesmo que alguns hábitos estejam de tal forma enraizados em nós que até lhes chamamos instintos,   percebi ontem que a desenvoltura e a capacidade de nos mantermos focados no que estamos a  fazer nos dá a superioridade do controle sobre  coisas bem importantes.
   Há instintos que podem ser perigosos por nos conduzirem na vida completamente em contra-mão. E é por isso que, da próxima vez que notar em mim instintos menos bons, me vou lembrar da experiência de condução destes dias em Malta e tentar dominá-los   com  a serenidade  e a lucidez  da razão.
Ana Amorim Dias

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