Entramos em casa. A avó, ensonada, aguarda-nos na sala enquanto as crianças já dormem o sono sereno dos inocentes. O Ricardo fica a falar com a mãe enquanto eu levanto de novo voo, desta vez para os quartos dos meus filhos.
Acendo a luz do quarto do João. Aprecio a forma como dorme, tão parecida à maneira como vive a vida: de frente e com os braços abertos. Beijo-lhe o rosto. Cheiro-lhe o pescoço até encher os pulmões com o doce odor que tão bem conheço. Estremece levemente e, com mais uns beijos e snifadelas, deixo-o entregue à noite. Apago e luz e sigo para o quarto do Tomás. Já ocupa a cama toda. Afasto as mantas e junto o meu rosto ao dele. Afago-lhe o cabelo cortado de fresco e pego-lhe na mão. Comparo a minha mão com a dele. Já estão do mesmo tamanho. Beijo-o de novo e sorrio enquanto recordo as saudades constantes que, ao longo dos últimos dias, o pai teve deles.
- Tu não tens saudades? Não lhes sentes a falta? – Perguntava-me.
E eu desviava a conversa por vergonha de responder a verdade. – Digamos que não me dói a alma. Sei que estão bem… -
E, numa das vezes que a questão voltou, olhei para a chávena do café que estava a bebe, onde li: “I left my lips on you”. Entendi então o porquê de não sofrer com saudades. Deixei-lhes a marca dos meus lábios. A marca do meu amor estará sempre com eles, ande eu por onde andar. E é por tão bem reconhecer este facto que as saudades de quem amo já não me doem. Because I left my lips on them.
Ana Amorim Dias
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