As primeiras chuvas da temporada apanharam-me no mar. Fui à praia, mais pela obstinada teimosia de quem se recusa a aceitar que vai estar uns meses sem entrar mar adentro, do que pela real vontade de lá estar. O sol era uma impercetível mancha por detrás das nuvens espessas. E frio obrigou-me a envolver o corpo na toalha.
Mas o mar revolto chamou-me aos gritos. As ondas dançaram para mim, num bailado sedutor a que não sei resistir. A espuma enfeitiçou-me com o baixo golpe do seu cheiro ativo e, antes que me demovesse o cinzento escuro do céu, lancei-me às labaredas salgadas da minha paixão.
O escuro mar estava quente. Pelo menos senti que sim. Mas quando se cavalgam as ondas com prancha, a emoção cala o frio. E aquela explosão de cinzento, a abraçar-me por baixo e a comprimir-me por cima, devolveu-me a consciência de estar bem viva. Não, não podia sentir frio. Naquele momento, na praia deserta, só existia eu. Eu na natureza. Eu em mim. Um gigante e assoberbado EU. Um EU feliz, emocionado. Sei que consegui parar o tempo ali. O tempo e o pensamento que, vencido, se rendeu à inércia enquanto o corpo se colava à prancha deslizante.
Mas, de quando em vez, nos intervalos do pasmo exultante em que me encontrava, a mente alvitra-me congeminações: - “ Como podem os outros perder isto?” ; “ Cum caneco! Aquela é enorme!” ; “ Será que as outras pessoas se conseguem sentir assim?” ; “ Tenho que comprar um fato para fazer isto de Inverno” ; “ Uau… o céu está a ficar preto!”
E a chuva começou a cair quando saí do mar com a minha prancha amarela. Andei sem pressas. Sem medo de me molhar. E ri-me, deixando algumas lágrimas rolar.
Ana Amorim Dias
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