Jogo de cintura
Desde que tenho iPad abandonei quase por completo o computador. Só o ligo de tempos a tempos, quando tem mesmo de ser. O problema é que muitos meses de uma relação tátil com o ecrã do ipad se enraizaram de tal maneira que quando vou ao computador ele fica cheio de dedadas onde não deve enquanto eu, indignada, ainda vou dedilhando o ecrã durante uns segundos até perceber o engano.
Ontem, depois de correr, sentei-me debaixo da figueira e rendi-me ao prazer dos figos. A seleção musical, que soava em modo aleatório, passou a uma canção pouco própria: "It's beginning to look alot like Christmas..." cantava o Boublé todo satisfeito. Com meio figo na boca até fiquei indignada. "Bolas, que estranho! Estamos nos antípodas anuais do Natal e estou cheia de calor a saborear um figo! Nada se pode assemelhar menos a essa época!" Hesitei um pouco mas não mudei de música. Simplesmente não encontrei motivo suficientemente forte para o fazer.
Porque não ouvir uma música de Natal à entrada do Verão, debaixo da figueira? Porque não rir-me do disparate de dedilhar o ecrã do computador? Porque não tomar banho de mar em Janeiro? Porque não sentir alegria na saudade e ser otimista quando tudo parece negro? Porque não render-me a novas maneiras de pensar, agir e sentir?
Da mesma maneira que me farto de rir sozinha de cada vez que "ataco" convicta o ecrã do computador, também saberei rir-me de cada nova falha minha, corrigindo-a logo depois. Da mesma forma que ontem não encontrei motivos para desligar a música de Natal, também procurarei não encontrar razões para me opor ao ritmo com que a vida traz os novos acontecimentos, mesmo que me pareçam totalmente fora de época. Creio que este tipo de jogo de cintura me pode vir a ajudar a aproveitar melhor todos os dias e todas as encapotadas lições que eles trazem.
Ana Amorim Dias
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