Prenda avariada
Cheguei à praia quase às oito da noite e comecei a correr. Além de ter estado uma semana inteira sem fazer desporto ainda tive a brilhante ideia de não fazer o aquecimento. "Vou só correr um bocadinho, nada de brusco, isto não deve fazer mal..."
Nos fones soavam ritmos apelativos e, antes que me pudesse impedir, estava a dançar e zumbar em frente ao imenso mar, com um sorriso que ia desde Vila Real até Sagres. O êxtase de zumbar numa praia deserta, tendo o mar como meu espelho e apenas alguns pássaros a testemunhar a loucura, fez-me esquecer por completo que não tinha aquecido os músculos.
Agora, de cada vez que ando, os gemidos fazem-me pensar que estou a roubar as falas às atrizes de certos filmes.
7.10 O João invade-me a cama.
- Vai acordar o Tomás e tragam as prendas do pai.- digo-lhe baixinho para não acordar o aniversariante.
O pequenino lá desaparece, entusiasmado, e o Ricardo abraça-me.
- Não era preciso. Estou abraçado à melhor prenda de todas.-
Sinto as fortes dores nos músculos.
- Ah ah ah. Ganhaste uma prenda avariada!-
Não sei se gosto de me sentir uma prenda. Embora no fundo ele talvez tenha uma certa dose de razão. Tem sorte o rapaz. Tem uma prenda nos braços que é mesmo a melhor das prendas mas, ainda assim, é perigosa e nada fácil. E então percebo de novo a importância do aquecimento. Ele anda há mais de metade da vida a fazer aquecimentos para aprender como funciono sem explodir, sem me tornar mais esquiva, sem me trocar os fusíveis. Acredito que não deve ser nada fácil ter uma prenda assim, tão explosiva e sem livro de instruções. Mas também continuo a acreditar que ele está no bom caminho. Até as mais indomesticáveis prendas, com paciência e amor, se podem tornar na melhor prenda da vida.
Ana Amorim Dias
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