(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

28.9.12

Qualidades e Defeitos


“ Socorro! Alguém me salve por favor!” – Oiço o pensamento a gritar dentro de mim enquanto o senhor continua a falar, muito convicto, sobre algo que já não tenho como recordar.
  Olho para ele em silêncio, na esperança de que não se aperceba da minha agonia. E ele olha para mim com intensidade, absolutamente absorto no seu discurso secante.
  Nesse momento começo a imaginar um pterodáctil a aproximar-se de nós e a levá-lo com as suas garras fortes. “ Um ataque de tosse também servia, mas não seria tão giro…” – penso.
  E ele continua a falar. E eu a temer que o seu monólogo se tenha que transformar em conversa com alguma pergunta sua que me obrigue a um “Hum, hum” acanhado.
  Já não olho para ele. Olho através dele e não vejo nada. Só o baile de pensamentos cómicos que me vão rodopiando cá dentro. “ Podia subir-lhe uma lagartixa pela perna…” e começo a rir imaginando-lhe os saltos. Ele gesticulava, empolgado com o assunto que eu não recordo por não ter ouvido palavra, mas pára de repente. Não entende o que me fez rir pois não me ouviu os pensamentos.
  Continuo sem perceber se esta minha faculdade é qualidade ou defeito.  Para os outros, aqueles que ao falar comigo falam com uma parede, talvez seja um defeito. Um daqueles defeitos grandes, feios e muito desrespeitosos. Mas para mim é qualidade: uma das  características que me são queridas e que refino com a idade, por  que me permitem manter a alma esvoaçante, infantil e fértil que tão boa companhia me faz.
Ana Amorim Dias
  

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