Sempre adorei a escola, principalmente nos dias em que havia composição! Contudo passei a infância a reprimir um tema que, já sabia de antemão, viria a causar-me problemas com a censura. Mas acredito que vamos sempre a tempo de fazer algo que antes não nos permitimos.
Ao longo do tempo fui conhecendo o Mundo um pouco melhor e pensei que os budistas, a terem razão, podiam estar a apresentar-me a solução do problema: talvez eu sempre tenha desejado começar a minha composição com “ Se eu tivesse uma pilinha…” por na última vida ter sido homem. Quem sabe?
Nunca cheguei a escrever sobre tal tema porque, com o passar do tempo, a minha veia infantil de maria-rapaz, foi dando lugar a uma pessoa que compreende em absoluto a infinita riqueza de ser mulher. Abracei essa riqueza com toda a plenitude. Mas a vida, com os seus estranhos desígnios, permite-nos façanhas e aventuras com que nem sequer tínhamos sonhado… E hoje, ao lembrar este tema que o meu juízo infantil me impediu de explorar, constato que tenho sido tudo o que a minha imaginação alcança: já fui capitão um navio pirata e matriarca de uma família italiana durante a 1ª Guerra Mundial. Já fui um velho e sábio pescador, uma mulher de negócios com um património incrível e um quarentão bem parecido com problemas existenciais. Já fui chefe de uma tribo nos primórdios da humanidade, já fui prostituta de refinadas capacidades ou assassina profissional. Já fui um viúvo saudoso; um lutador de boxe e uma espanhola infiel. Nos livros que escrevo posso ser homem, mulher, criança e ancião; posso viver em qualquer século e em qualquer parte do mundo, basta começar a escrever.
É por tudo isto que não posso deixar de agradecer à vida, que me permitiu ser escritora, e viver assim, sob qualquer personagem, de uma forma muito mais ampla do que com aquela composição nunca escrita em que apenas… teria uma pilinha!
Ana Amorim Dias
Li aquele, percorri o caminho todo ate chegar neste que me deu vontade de escrever: estou adorando, estou com uma sede insaciavel. E mais: nada mazurrao para um domingo cedo no fuso horario que habito, alem mar.
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