(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

8.5.12

Sinceridade fraterna



    A sala era grande. Pelo menos é assim que me lembro dela porque, na altura, eu era bem mais pequena. Tinha umas portas enormes, envidraçadas, que davam para o lado poente da propriedade. E era por detrás das cortinas dessas portas que eles surgiam, como elenco de um musical da Broadway, muito compenetrados nos seus papeis. Eles cantavam Caetano e Gal; cantavam Sting e Scorpions e cantavam os meus preferidos: imitações de música chinesa e canções populares alentejanas.   O meu pai, com a sua voz bonita, acompanhava os meus irmãos artistas, sentado no sofá/plateia. Mas comigo era diferente: os meus idolatrados irmãos não me deixavam abrir a boca e, caso a honra de aparecer com eles em  palco me fosse concedida, apenas o podia fazer como figurante e assumindo o compromisso de manter a boca fechada.
   Adoro cantar… mas continuo a não gostar muito de me ouvir.  Até os meus filhos já me vão pedindo silêncio quando, no carro, alguma canção mais animada faz nascer em mim uma actuação tão empolgada como se estivesse no palco do Pavilhão Atlântico. 
  Durante muitos anos recordei estes episódios (bastante frequentes, acreditem!)  com uma pitada de mágoa pela atitude da minha irmã que, além da maravilhosa  voz,  fazia (e faz) melodias divinas; e pela atitude do meu irmão, dono de uma voz doce e muito afinadinha. Ficava fula por não ter aptidões para participar naqueles duetos irrepreensíveis que tanto me deliciavam.  E os meus pobres irmãos, não sei se para aplacar a minha titânica ira de criança rejeitada, habituaram-se a fazer-me ver a toda a hora que as minhas artes eram outras.
   Ainda hoje não me atrevo a interromper-lhes as cantorias, mas agora já não me resta nem a tal  pitadinha de mágoa. Apenas o agradecimento pela sinceridade de irmãos mais velhos com que souberam dizer-me que para cantar não sirvo… mas que em quase tudo o resto, sou o maior orgulho deles!
Ana Amorim Dias

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