- Vá lá, João… – Não me bastava o despertador não ter tocado. O estupor do puto tinha que me estar a moer o espírito com a roupa.
- Não quero essa! – embirrou, a arrastar os “ss” com mimo.
- “ Graças a Deus que o Tomás não se quis mascarar.” – Pensei, enquanto o ouvia, no seu quarto, a preparar-se para a escola.
- Olha pá, estás a fazer-me perder a paciência! Amanha-te! – E fui preparar o pequeno almoço.
O João acabou por vir para a escola preparado para qualquer eventualidade, não fosse o seu primeiro Carnaval na primária apanhá-lo desprevenido, mascarado no meio de colegas vestidos de forma normal. Calças de neve, blusa de gola alta, blusão e capacete enfiado na mochila. Resolveu o seu dilema cobrindo todas as possibilidades: aparentemente vestido de forma normal e sabendo que, em caso de emergência, punha o capacete e se transformava em motard.
Confesso que adorei a solução e a sua capacidade de se precaver. Afinal a minha própria visão do Carnaval é muito ambígua: acho ótimo que as pessoas se mascarem e divirtam com folias e brincadeiras… apenas me parece mal que isso tenha data marcada. Parece-me muito mais sábio que as pessoas o façam quando estão para aí viradas, porque a predisposição para a galhofa não pode ser algo forçado, a soar a falso, com disfarces mal amanhados que não se adaptam ao clima dos nossos frios Carnavais. Nas poucas vezes em que me predisponho a ir espreitar os desfiles, costumo ficar com dó das enregeladas moças que, brancas e forradas de celulite, se arrastam pelas ruas a mover-se com uma ausência de ritmo tão grave que chega a ser, para o samba, uma espécie de missa de sétimo dia.
Foi por isso que gostei de ver o meu filhote mais novo, a usar da sua auto determinação repleta de mau feitio, a saber dar uma no cravo e outra na ferradura, e a preparar-se para, caso a folia lhe descesse à disposição, se divertir nestes Carnavais sem alma.
Ana Dias
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